16. A Igreja no mundo de hoje

“Jesus dirigia-se para uma povoação chamada Naim. Iam com ele os seus discípulos e uma grande multidão. Quando estava a entrar na povoação viu que passava um enterro. O morto era o filho único de uma viúva. Ia muita gente com ela no funeral. Quando o Senhor viu a viúva, teve pena dela e disse-lhe: “Não chores.” E aproximando-se, tocou no caixão. Os homens que o levavam, pararam. Jesus disse então: “Rapaz, sou eu que te digo, levanta-te!” Nisto, o rapaz sentou-se e pôs-se a falar. Jesus entregou-o à mãe. Ficaram todos muito impressionados e louvavam a Deus dizendo: “Um grande profeta apareceu entre nós! Deus veio salvar o seu povo!” E por todo o país e fora dele correu a fama do que Jesus tinha feito.”

(Lc. 7,11-17).

Gaudium et spes - Sobre a Igreja no mundo atual

1. «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje»

Para o cristão, a Igreja é o povo que crê em Jesus, Filho de Deus, que se tornou irmão e salvador de todos. O Concilio Vaticano II, sobretudo graças à constituição dogmática Gaudium et Spes, ensina que não é possível amar a Deus sem amar o mundo, este mundo santo e pecador, magnifico e injusto, arrogante e desesperado, absurdo e miraculoso. O mesmo Concílio afirma que esta é a família humana a amar, este é o mundo no qual se vislumbra a glória de Deus. De resto, aquilo que interessa à Igreja de sempre, e à Igreja de hoje, são as alegrias, as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje. Aí, onde chega a luz de Cristo na vida destes nossos dias, o mundo pode começar a tornar-se o lugar onde as promessas do Ressuscitado serão mantidas: «Eu estou convosco todos os dias».

2. O parto, o estaleiro e a guerra

Sabemos quem somos, e de quem viemos, onde e quando nascemos porque os nossos progenitores nos contaram. E nós acreditamos neles. Como cristãos, acreditamos que a Boa Nova da salvação foi transmitida, na Igreja, de uma geração a outra. E assim percebemos que o amor potente de Deus criou todas as coisas e tudo tem as marcas digitais da Sua beleza. Hoje somos convidados a vislumbrar a lâmpada da esperança nas nuvens negras das dores e das injustiças do mundo. Três imagens nos podem ajudar neste caminho: o parto, o estaleiro e a guerra.

A primeira imagem, a do parto, é usada pelo próprio Jesus que interpreta as aflições dos discípulos à luz do trabalho e das dores da mulher durante o parto. Jesus quer dizer que não se trata de um espasmo inútil porque é condição para que nasça uma criança. Assim, o mundo e a história, fecundados pela presença dos cristãos, estão dando á luz filhos e filhas de Deus, com todas as dores típicas do parto.

A segunda imagem é a do estaleiro. O Senhor utiliza-a para indicar a Sua paixão e a Sua vitória. (Mc.12,10-11). Segundo o projeto do Criador, o mundo é um enorme estaleiro que deveria converter-se na casa comum, capaz de salvaguardar e promover a vida. Jesus fala de si como a pedra que os construtores rejeitaram, porque considerada muito frágil e inadaptada à construção do mundo. Com efeito, o Evangelho de Cristo é muito ingénuo e débil aos olhos de muitos:: amar os inimigos fazer bem a quem nos odeia, perdoar, partilhar a roupa e o pão com quem sofre privação, visitar os doentes e prisioneiros, acreditar que o Pai não faltará com o pão de cada dia, crer que a morte não é a ultima palavra sobre a existência, pois que o Pai, fiel e omnipotente, restituirá tudo e todos… Afinal aquela pedra que os construtores rejeitaram, o Pai a escolheu como a mais adaptada para suportar o tremendo drama do mundo. Em qualquer caso, o mundo continua a ser um estaleiro, onde os cristãos constroem tendo Cristo como pedra angular. Só apoiando-se n`Ele o edifício cresce seguro, belo, capaz de garantir um lugar para todos e para sempre (Ef.2,19-22). Mas não esqueçamos que um estaleiro é um ambiente complicado: um montão de materiais diversos e desordenados.

A terceira imagem é a da guerra. A última imagem é ainda mais dramática e ocupa grande parte do último livro da Bíblia. O Apocalipse. Neste texto, alternam-se cenas cheias de paz e de conflitos ferozmente sangrentos. E a pergunta é: até quando? (Ap.6,10). Este é o grito de quem não vê o fim dos sofrimentos. Mas o Senhor convida a resistir, porque Ele já venceu a batalha. Todavia, é necessária a resistência da esperança porque embora a batalha tenha sido vencida, ainda há muitos obstáculos ativos: a angústia, as dores, as lágrimas e os lutos serão afastados, mas não agora. Com a desculpa do perigo e do medo, queres desertar ou arriscas e jogas a tua única vida com Quem venceu e vencerá?

Para refletir e conversar:

1. Que luzes se acenderam na minha identidade cristã, nesta reflexão sobre a relação fecundante da missão da Igreja no mundo de hoje?

2. «A Igreja «em saída» é a comunidade de discípulos missionários que «primeireiam», que se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam» (E.G.24) . Como concretizar este ideal na nossa paróquia?

Outras referências:

Evangelii Gaudium/Alegria do Evangelho – n. 278-279:

278. A fé significa também acreditar n’Ele, acreditar que nos ama verdadeiramente, que está vivo, que é capaz de intervir misteriosamente, que não nos abandona, que tira bem do mal com o seu poder e a sua criatividade infinita. Significa acreditar que Ele caminha vitorioso na história «e, com Ele, estarão os chamados, os escolhidos, os fiéis» (Ap 17, 14). Acreditamos no Evangelho que diz que o Reino de Deus já está presente no mundo, e vai-se desenvolvendo aqui e além de várias maneiras: como a pequena semente que pode chegar a transformar-se numa grande árvore (cf. Mt 13, 31-32), como o punhado de fermento que leveda uma grande massa (cf. Mt 13, 33), e como a boa semente que cresce no meio do joio (cf. Mt 13, 24-30) e sempre nos pode surpreender positivamente: ei-la que aparece, vem outra vez, luta para florescer de novo. A ressurreição de Cristo produz por toda a parte rebentos deste mundo novo; e, ainda que os cortem, voltam a despontar, porque a ressurreição do Senhor já penetrou a trama oculta desta história; porque Jesus não ressuscitou em vão. Não fiquemos à margem desta marcha da esperança viva!

279. Como nem sempre vemos estes rebentos, precisamos de uma certeza interior, ou seja, da convicção de que Deus pode actuar em qualquer circunstância, mesmo no meio de aparentes fracassos, porque «trazemos este tesouro em vasos de barro» (2 Cor 4, 7). Esta certeza é o que se chama «sentido de mistério», que consiste em saber, com certeza, que a pessoa que se oferece e entrega a Deus por amor, seguramente será fecunda (cf. Jo 15, 5). Muitas vezes esta fecundidade é invisível, incontrolável, não pode ser contabilizada. A pessoa sabe com certeza que a sua vida dará frutos, mas sem pretender conhecer como, onde ou quando; está segura de que não se perde nenhuma das suas obras feitas com amor, não se perde nenhuma das suas preocupações sinceras com os outros, não se perde nenhum acto de amor a Deus, não se perde nenhuma das suas generosas fadigas, não se perde nenhuma dolorosa paciência. Tudo isto circula pelo mundo como uma força de vida. Às vezes invade-nos a sensação de não termos obtido resultado algum com os nossos esforços, mas a missão não é um negócio nem um projecto empresarial, nem mesmo uma organização humanitária, não é um espectáculo para que se possa contar quantas pessoas assistiram devido à nossa propaganda. É algo de muito mais profundo, que escapa a toda e qualquer medida. Talvez o Senhor Se sirva da nossa entrega para derramar bênçãos noutro lugar do mundo, aonde nunca iremos. O Espírito Santo trabalha como quer, quando quer e onde quer; e nós gastamo-nos com grande dedicação, mas sem pretender ver resultados espectaculares. Sabemos apenas que o dom de nós mesmos é necessário. No meio da nossa entrega criativa e generosa, aprendamos a descansar na ternura dos braços do Pai. Continuemos para diante, empenhemo-nos totalmente, mas deixemos que seja Ele a tornar fecundos, como melhor Lhe parecer, os nossos esforços.

Eduardo Ferreira