“Todos os fiéis se santificarão cada dia mais nas condições, tarefas e circunstâncias da própria vida e através de todas elas, se receberem tudo com fé da mão do Pai celeste e cooperarem com a divina vontade, manifestando a todos, na própria atividade temporal, “Deus é caridade e quem permanece na caridade, permanece em Deus e Deus nele» (1 Jo. 4,16). Ora, Deus difundiu a sua caridade nos nossos corações, por meio do Espírito Santo, que nos foi dado (cfr. Rom. 5,5). Sendo assim, o primeiro e mais necessário dom é a caridade, com que amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor d’Ele. (…) É, pois, pela caridade para com Deus e o próximo que se caracteriza o verdadeiro discípulo de Cristo. (…)
Todos os cristãos são, pois, chamados e obrigados a tender à santidade e perfeição do próprio estado. Procurem, por isso, ordenar retamente os próprios afetos, para não serem impedidos de avançar na perfeição da caridade.”
Uma das peculiaridades do Concílio Vaticano II é a importância dada ao tema da santidade. Na Constituição Dogmática Lumen Gentium o capítulo V é inteiramente dedicado a este tema e é como que o coração deste documento, já que se interliga com todos os outros: o Mistério da Igreja como povo de Deus, as suas diferentes vocações (na sua constituição hierárquica, na sua composição laical e na vocação religiosa), o seu horizonte escatológico e o lugar de Maria, que é o ícone vivo e prático da santidade de Deus acolhida numa vida humana.
1. Santidade é amor
O texto conciliar centra no amor a natureza mesma da santidade: Deus é amor e deixar-se moldar pelo amor é participar do ser de Deus, é ser santo. Por isso, a medida da nossa santidade verifica-se no amor concreto que sabemos acolher de Deus, como um dom, e que sabemos assumir, como um compromisso, em tudo o que somos e fazemos. E é no concreto do que vivemos e de como nos relacionamos com os outros que se espelhará o amor de Deus. E isso é santidade.
Então, a santidade não é um conceito abstrato, mas é feita da vida concreta dos santos e santas, aqueles que acolhem Jesus nas suas vidas e o fazem resplandecer na simplicidade do quotidiano. Depois do Concílio, multiplicou-se enormemente o número de cristãos e cristãs que foram beatificados e canonizados, com especial destaque para leigos e leigas e, entre estes, para jovens e para casais. A alegria de ser discípulo encontra no sacramento do matrimónio um ambiente propício, com todos os seus desafios, alegrias, tristezas e oportunidades de encontro com o amor de Deus, em todas as suas formas.
2. Santidade é alegria
O Papa Francisco, na sua exortação apostólica “Alegrai-vos e exultai” propõe-nos uma das mais belas e profundas reflexões sobre o ser santo, desenvolvendo especialmente o tema das Bem-Aventuranças, como o verdadeiro caminho do seguimento de Jesus e do acolhimento do seu dom de salvação. A alegria é o sinal próprio da santidade: mesmo nas grandes provações, as pessoas que vivem unidas a Cristo e ao seu Mistério Pascal encontram uma misteriosa fonte de alegria e paz interior que, não anulando o sofrimento ou as dificuldades, lhes dá sentido e alcance de salvação e eternidade.
O Papa Francisco fala dos “santos de ao pé da porta”, naquilo que ele chama a “classe média da santidade”: milhares, milhões, de pessoas que percorrem a vida como uma experiência de amor e de doação pelos outros. Tantas mães, pais, filhos, irmãos e irmãs, amigos, colegas, desportistas, artistas, agricultores, comerciantes, profissionais de todas as áreas, ou desempregados, pessoas saudáveis ou doentes, jovens ou idosas que, de algum modo, se foram deixando marcar pelo sinal do Espírito de Deus e souberam resistir aos poderes do mal, mantendo-se fiéis a uma vida de alegria no dom e no amor. Santidade não trata de heroicidade, trata antes de discipulado e de testemunho.
3. Rostos espiritanos
Ninguém se salva sozinho e a salvação é muito mais do que um dom para mim: ela é uma experiência de comunhão com Deus e com os outros, que me é proporcionada pelo dom gratuito e amoroso de Deus. Por isso, a primeira evidência da santidade reside na forma como vivemos a vida como uma missão. A nossa condição de discípulos missionários identifica-se, por isso, com o rosto da santidade, único e irrepetível, que cada discípulo missionário vai configurando na sua vida, sob a ação do Espírito Santo. Libermann foi um grande mestre do que é a santidade vivida na humildade e na simplicidade de vida: ele fala da atitude suave e mansa do deixar-se conduzir, na confiança e na gratidão, pelo Espírito Santo, através das vicissitudes concretas da nossa história. E foi assim que ele viveu, realmente: nas curvas e contracurvas da vida, fiel à presença de Deus, mesmo quando ela parecia obscurecida.
O nosso fundador, Cláudio Poullart des Places, com o seu ministério breve e tão fecundo, é outro desses santos ao pé da porta, cuja vida tão humilde e tão dedicada ao discernimento ativo da vontade de Deus, quase o fizeram cair no esquecimento, apesar da imensa obra missionária que fundou. São vidas que nos recordam que, na aparente insignificância da nossa própria vida, a grandiosidade e a excelência do amor podem e devem estar sempre presentes. E nisso residirá a nossa felicidade!
Para refletir e conversar:
1. Com que consciência tenho vivido o “chamamento à santidade” que recebi no batismo? O combate espiritual que caracteriza a vida dos santos tem estado presente na minha vida? Que posso partilhar com os outros sobre essa experiência?
2. Que rostos concretos de santos e santas fui conhecendo ao longo da minha vida? Que aspetos concretos do seu modo de ser e relacionar-se se tornaram para mim um testemunho de santidade?
3. Como se poderia propor hoje, junto dos cristãos, o chamamento a serem santos? Haveria propostas concretas a valorizar?