12. Somos Povo de Deus

“A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura (cfr. Mc. 16,15). Mas porque a Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano, pretende ela, na sequência dos anteriores Concílios, pôr de manifesto com maior insistência, aos fiéis e a todo o mundo, a sua natureza e missão universal. E as condições do nosso tempo tornam ainda mais urgente este dever da Igreja, para que deste modo os homens todos, hoje mais estreitamente ligados uns aos outros, pelos diversos laços sociais, técnicos e culturais, alcancem também a plena unidade em Cristo.”

(Lumen Gentium, nº 1)

O grande e fundamental texto dogmático sobre a Igreja abre assim, com esta introdução, a sua longa reflexão sobre a identidade e missão da comunidade dos discípulos de Jesus. É interessante reconhecer algumas notas que, desde logo, ficam claras no documento: 1) o centro de tudo é Cristo (a “lumen gentium”, a “luz dos povos”); 2) a Igreja é “sacramento”, “sinal” desta luz, instrumento da unidade que Deus quer realizar, por Cristo, com a totalidade da realidade humana – a Igreja é, por isso, subsidiária, instrumento de Deus numa missão universal que é de Cristo e que a Igreja assume como essencial na sua identidade; 3) as mudanças, as condições do nosso tempo, “tornam ainda mais urgente” o dever que a Igreja tem de contribuir para que todas as pessoas e povos sejam um só povo.

1. Povo de Deus, povo da aliança

Só na Lumen Gentium, a palavra “povo” aparece 39 vezes, contra 33 vezes em todos os outros textos conciliares. O povo de Israel, desde o seu início, se foi autocompreendendo como um povo escolhido por Deus e segregado para Ele. A experiência da libertação do Egito e a relação direta entre a posse da terra e o dom gratuito de Deus, fizeram o povo de Israel interiorizar a convicção de fé de ser um povo amado e escolhido por Deus, chamado a uma relação íntima com Ele.

Por outro lado, esta experiência da aliança e esta certeza de ser “povo de Deus” conduziram Israel a um aprofundamento que alargou o horizonte da sua identidade: Israel é chamado a ser sinal para todos os povos e princípio de uma aliança alargada a todo o universo. Esperar o Messias era preparar-se para esse advento de uma nova ordem de realidades, aberta a todos.

2. Povo de Deus em Cristo, abraçando todos

Com Jesus Cristo, a Igreja percebe que é depositária desta herança: ela é o “Israel de Deus”, não tanto por serem para ela transferidas as antigas prerrogativas de Israel, mas porque nela se realiza a promessa de Deus, de abraçar a universalidade dos povos, todos chamados à salvação.

Assim, a comunidade cristã interioriza esta dupla consciência: por um lado, é escolhida pelo amor infinito de Deus para ser depositária de uma “nova aliança”, em que se entende abraçada e integrada, em Cristo, no coração de Deus: todos se tornam “filhos” no Filho unigénito. Por outro lado, sente que esta integração não é, por sua própria natureza, sectária, mas universal: todos são chamados, todos são integrados, a opção de Cristo é uma opção inclusiva, em que todos têm lugar.

Pelo Batismo, os membros deste Povo Novo tornam-se não apenas uma “imagem” prefigurativa (como acontecia com Israel, que preanunciava um Povo para Deus, em plenitude), mas a realidade mesma de seres humanos que são agregados ao Ser Divino, por obra de Cristo e sob a ação do Espírito Santo.

Assim, a condição de “Povo” bebe de uma fonte com duas dimensões inseparáveis: a da comunhão de todos com todos, em Deus, fundada no Batismo; e a da Missão de todos para todos, a quem é dado o Espírito Santo para comunicarem ao universo a maravilha do dom recebido de graça, para ser partilhado gratuitamente. O conceito de povo torna-se, deste modo, um conceito aberto: totalmente sinodal e totalmente missionário.

Para refletir e conversar:

1. Os cristãos têm consciência de ser um povo congregado por Deus para abraçar e integrar todos, ou compreendem-se sobretudo como uma instituição, enquanto Igreja, e como público passivo, enquanto bloco de pessoas lideradas por uma elite?

2. A consciência de ser um povo de Deus e para Deus que desafios pode trazer à Igreja, enquanto comunidade sinodal e enquanto comunidade missionária?

Pedro Fernandes