O ano de 2019 foi cheio de paradoxos: por um lado, o crescendo de fenómenos preocupantes relacionados com o desrespeito pelo ambiente, a violência e abuso de poder ou a indiferença com a desgraça alheia… mas, por outro lado, os sinais fortes de compromisso e sensibilidade, ou a solidariedade massiva com as vítimas dos desastres naturais ou ainda a consolidação de redes e forças de protesto e reivindicação da justiça.
Na sua mensagem para o dia mundial da Paz de 2020, o Papa Francisco propõe-nos a redescoberta de uma paz que, sendo global, atravessa o horizonte pessoal da nossa gestão de relações e atitudes. Somos questionados sobre o nosso modo de gerir e integrar a diferença: o tema do medo surge como o grande obstáculo para a construção de uma paz sólida. A “ética global de solidariedade” tem que partir de um permanente registo de reconciliação e inclusividade do outro e articula-se numa tensão positiva entre a experiência e a esperança, entre a memória e a construção do presente.
Entre o “ano velho” e o “ano novo”, a tensão entre o rascunho que lastimamos e a obra de arte que sonhamos só pode tornar-se numa força de construção da história se comprometer pessoas concretas e escolhas precisas. Fácil é lastimar o que correu mal; desafiante é assumirmos que o que correrá bem vai depender de atitudes concretas, que se alimentam da escuta do outro. Fácil é lastimar as alterações climáticas; difícil, mas bem mais eficaz, é assumir, a sério, mudanças dos nossos hábitos: o que consumo, como me desloco, como reciclo, como reduzo gastos reutilizando e evitando o desperdício. Fácil é lastimar as guerras; difícil é começar a evitá-las no meu círculo de relações; fácil é achar que perdoar é bonito; difícil é comprometer-me no perdão e na reconciliação. Não é por acaso que o Papa conclui a sua mensagem sobre a paz com uma alusão ao sacramento da Reconciliação e um convite a levá-lo a sério…
Até que ponto estamos dispostos a mudar? E se 2020, para mim, deixasse de ser um desfile de boas intenções e vagos desejos, e passasse a ser um esforço decisivo para novos hábitos e novas atitudes?