Num estudo recentíssimo do INE (22.12.2023 e 17.01.2024), existem em Portugal cerca de um milhão e quatrocentas mil pessoas imigrantes. Estas pessoas garantem resposta laboral a setores fundamentais da economia portuguesa como a agricultura, a hotelaria, a construção civil ou os serviços sociais auxiliares. Estes setores seriam insustentáveis em Portugal sem a mão-de-obra estrangeira.
A sua contribuição para a segurança social foi, no ano passado, de 1861 milhões de euros, tendo beneficiado de 257 milhões em prestações sociais: o saldo positivo é, portanto, de cerca de 1600 milhões de euros: deram à Segurança Social sete vezes mais que o que dela receberam. Não preciso dizer que, sem este gigantesco valor, a viabilidade da Segurança Social em Portugal estaria ainda mais comprometida. Aliás, refira-se que 87% da população imigrante é contributiva, contra os 48% da população nacional – o que demonstra que, não apenas não há esforço dos portugueses para integrar os imigrantes, como, ao contrário, são os imigrantes que desempenham um papel crucial na sustentabilidade económica deste país. Ao contrário do que andam a dizer as bacocas vozes da extrema-direita mal informada e, sobretudo, mal-intencionada.
Segundo o relatório de 2018/19 da European Social Survey, 62% da população portuguesa manifesta crenças racistas, sendo que apenas 11% não apresentam quaisquer sinais de preconceito a esse nível. Um milhão e duzentas mil pessoas já sofreram algum tipo de discriminação, maioritariamente racial, em Portugal, diz o relatório do INE, referido acima, sendo que quase cinco milhões de pessoas em Portugal consideram existir discriminação, maioritariamente racial. Porém, apenas 8,8% das vítimas de discriminação apresentaram queixa às autoridades, por descrerem na eficácia da proteção e justiça que esperariam receber a partir dessa queixa.
Entretanto, segundo dados recentes da agência Lusa, em 2023 os crimes de ódio em Portugal aumentaram 38%, face ao ano anterior. Se os crimes de ódio e o discurso de ódio têm vindo a aumentar nas sociedades europeias, incluindo a portuguesa, isso não é alheio ao despudorado crescimento de um discurso populista que divulga descabidas falsidades, incitando ao ódio e à discriminação contra as minorias e contra as pessoas migrantes. O que antes era vergonha inconfessável, é agora por alguns defendido na praça pública, com o inflamado e ultrajante descaramento do diabo, que dá como remédio aquilo que, afinal, é veneno.
Felizmente há vozes que se levantam, com dados claros e atos concretos, para contrariar esta perversidade perigosa e revoltante. Entre estes, é com orgulho que destaco o CEPAC (Centro Padre Alves Correia), instituição ligada aos Missionários do Espírito Santo, de que sou o Superior Provincial. Este centro tem acompanhado milhares de pessoas migrantes em situação de vulnerabilidade e tem testemunhado na primeira pessoa muitas das violências e injustiças a que tantas destas pessoas estão sujeitas.
Em entrevista recente à Radio Renascença, a sua diretora, Ana Mansoa, pôde mostrar a gravidade da situação e a importância e urgência da ação a tomar. A título de exemplo, referiu um caso concreto, identificável entre tantos outros. Não fez uma denúncia, como foi publicitado, pois não seria aquele o lugar próprio. Num exercício de, a meu ver, mau jornalismo, vieram a público dados não verificados nem validados. Porém, foram precisamente esses dados, e alguns pormenores claramente irrelevantes para o que realmente estava em causa, que fizeram barulho mediático. De repente, a mensageira torna-se culpada da má mensagem, quem denuncia é que é questionado, descredibilizado, denunciado. E isso é revoltante, intolerável.
Com frequência, aqueles que desenvolvem execráveis discursos discriminatórios são hipocritamente os mesmos que, quais donzelas afrontadas, brandem o machado contra os que denunciam o racismo. Os racistas não gostam de ouvir que há racismo, acham que não há, dizem que não há.
No caso referido, o CEPAC entregou às autoridades toda a informação de que dispõe, com pormenores relevantes que permitem uma investigação rigorosa e justa. Também aí não faltaram, como de costume, as vozes dos que queriam todos os dados no ventilador mediático, para os juízos rápidos, para fazer a festa, se possível em cima da vítima ou dos seus defensores. O que quereriam seria o espetáculo, o debate em que se discute o indiscutível, em que se subverte a verdade, se banaliza o mal, se dá relevância ao discurso de ódio e à relativização e descredibilização da palavra de quem o denuncia.
O que espero da Justiça é que faça justiça e se despache a fazer isso. O que espero dos governantes é que não apenas falem de tolerância zero face ao racismo, mas sejam coerentes na sua ação concreta. O que espero de quem é responsável pela Educação é que, sem ambiguidades, esteja mais preocupado com as crianças que com a cara lavada das instituições que só existem para as servir. O que espero da Comunicação Social é que seja honesta, livre e não ceda à tentação do mediatismo, dando rédea solta aos populistas, a troco do show fácil e rentável que estes tristemente proporcionam. O que espero da sociedade é que acorde deste torpor em que verdade e mentira se confundem no mercado do palavreado barato e irresponsável, que é cúmplice do crescimento do discurso de ódio e das atitudes discriminatórias. O que espero dos meus irmãos cristãos, de mim mesmo, é que nos convertamos cada vez mais à Boa Nova inclusiva de Jesus Cristo, assente na mansidão, na tolerância e na valorização de todos. O que espero de todos, de mim mesmo, é que nos tornemos cada vez mais gente de bem. O que espero dos que tolamente se afirmam como “portugueses de bem” é que se deem conta do ridículo e da pobreza de espírito que ostentam. E, sobretudo, que não se armem em cristãos, porque o Cristianismo está nas antípodas das ideias perigosas que propõem.
Não sei qual é a cor do racismo. Mas sei que é feia. E que é preciso combatê-la, antes que nos roube a beleza para que fomos criados.