25 anos em Moçambique
Os padres Raul Viana e John Kingston celebram a Eucaristia numa comunidade da missão de Itoculo, no norte de Moçambique. Ação de Graças é precisamente a atitude que se impõe, neste ano em que os espiritanos celebram 25 anos de missão naquele país africano. É uma história, cheia de alegrias e desafios que importa recordar e partilhar
Alberto Tchindemba e Pedro Fernandes
A primeira notícia que temos de qualquer iniciativa por parte da Igreja de Moçambique no sentido de convidar os espiritanos para trabalhar naquele país data de finais do século XIX, quando D. António Barroso, um notável missionário com uma impressionante e rara experiência de Igreja (India, Moçambique, Angola e Portugal, como Bispo do Porto!) endereçou ao Conselho Geral uma carta solicitando a vinda de Espiritanos para a sua imensa diocese de Moçambique. O imenso investimento que, no âmbito dos territórios portugueses, se estava a fazer em Angola e as muitas solicitações missionárias para tantos outros lugares do mundo, levaram a Congregação a declinar o convite, naquele momento.
Bem mais tarde, outros pedidos se seguiriam, como de D. Manuel Vieira Pinto, em 1969, ou o de D. Jaime Pedro Gonçalves, bispo da Beira, ou ainda o de D. Luís Gonzaga, bispo de Lichinga, que, em 1976, faz um novo pedido. Também aí não foi possível aos espiritanos responder favoravelmente aos pedidos dos bispos.
Só em 1994 se abriria uma nova história de relação da Igreja de Moçambique com a Congregação do Espírito Santo: também aqui, como antes, surgiriam pedidos; só aqui, ao contrário de antes, foi possível dar-lhes deferimento. Desta vez, foi a diocese de Nacala, com D. Germano Grachane, e a diocese de Chimoio, com D. Francisco Silota, que tiveram uma nova iniciativa de pedir missionários do Espírito Santo. Iniciais visitas exploratórias foram empreendidas por emissários do Conselho Geral: Jerónimo Cahinga, José Manuel Sabença e Benedito Cangueno. Destas visitas exploratórias saiu a escolha das missões a assumir: Inyazónia, na diocese do Chimoio; e Netia, na diocese de Nacala. Numa primeira fase, o Conselho Geral, dando resposta positiva aos dois pedidos, procurou envolver províncias que se comprometessem no fornecimento de missionários: Portugal, Angola, Nigéria e a então EAP (“East African Province”). A concretização do projeto viria a realizar-se com o compromisso das três primeiras províncias referidas que, no total, garantiram seis espiritanos, dois de cada proveniência, para a totalidade do projeto, sendo que três eram enviados em nomeação missionária: PP. Anthony Ahamba, Alberto Tchindemba e Pedro Fernandes; e três tinham mais experiência: PP. Domingos Vitorino, Benedito Cangueno e Lawrence Nwanery.
Em julho de 1996, realizou-se um encontro inicial em Lisboa, reunindo os nomeados para as novas missões, o conselheiro geral que acompanhava mais de perto o projeto (P. Bernardo Bongo) e o P. James Devine, superior do Distrito da África do Sul e coordenador da SCAF. Nesta reunião se traçaram as grandes linhas do novo projeto e se definiram as duas novas equipas, uma para cada missão. A composição de cada equipa iria seguir um critério básico: para cada lugar, um confrade de cada nacionalidade. Assim, para Inyazónia seguiriam os PP. Anthony, Benedito e Vitorino; e para Netia foram os PP. Lawrence, Alberto e Pedro.
Chegada dos Espiritanos
Todos chegaram em diferentes dias de novembro de 1996 e todos partiriam para as suas missões de destino no mesmo dia: 28 de novembro desse ano.
Na diocese de Chimoio, os espiritanos foram colocados na missão de S. Paulo do Baruè, em Inyazónia, uma antiga missão fundada pelos Missionários de África. Foi-lhes confiado um imenso território, que correspondia a cerca de metade da diocese: para além da paróquia de S. Paulo do Báruè, tinham ainda as extensas áreas de Guru, Macossa e Tambara. Na vila de Catandica contavam com a preciosa ajuda das Missionárias Reparadoras do Coração de Jesus e, na missão de S. Paulo do Báruè, encontraram uma comunidade de Missionárias Servas do Espírito Santo.
Em Netia, os espiritanos encontraram uma missão estruturada, fundada, nos anos sessenta, por missionários Combonianos. Foi-lhes confiado um total de 136 comunidades cristãs, repartidas entre duas grandes áreas: a da paróquia de Netia e a da quasi-paróquia de Itoculo que contava com duas grandes regiões pastorais Djipwi e Chihire.
Estes primeiros tempos foram cheios de desafios e algumas dificuldades, sob vários aspetos. A presença de outras congregações teve um papel determinante na integração dos espiritanos: para os espiritanos que foram para Inyazónia, para além das congregações femininas que os apoiaram, foi possível contar com a ajuda preciosa dos Missonários Franciscanos, presentes no Chimoio e noutras missões da diocese.
Para os espiritanos que foram para Netia, a presença das irmãs combonianas foi igualmente preciosa: durante nove meses, comeram juntos, a partir de um apoio logístico que tornou possível os inícios dos espiritanos numa situação em que ainda não tinham carro e em que a casa precisava ainda de várias obras para aí se poder funcionar normalmente. Tinham sido as combonianas a assegurar o cuidado pastoral de toda a área de Netia durante muitos anos; foram elas que integraram e iniciaram os primeiros espiritanos na realidade pastoral, social e cultural do povo e da Igreja que os acolhia. Também os Combonianos, presentes em várias missões da diocese, e os missionários verbitas, acabaram por prestar um apoio precioso aos espiritanos, na ajuda logística e no acompanhamento pedagógico, durante o processo de integração pastoral.
D. Germano Grachane, bispo de Nacala (ao centro), com o P. John Kingston (à esq.), os padres Damasceno, Alberto Tchindemba e Pedro Fernandes (da comunidade de Netia, ao fundo) e o P. Eduardo Miranda, provincial de Portugal, no ano 2000.
Dificuldades da primeira hora
Logo à nossa chegada deparamo-nos com a questão da distância entre as duas comunidades que viviam em realidades culturais e até mesmo pastorais bastante diferentes: Inhazonia está situada a mais de mil kms de Netia, com estradas impraticáveis, exigindo mais de três dias de viagem!
Para resolver o problema do isolamento, da distância e da falta de comunicação entre as comunidades, o Conselho Geral pôs à disposição de cada comunidade um telefone satélite que apenas servia para uma comunicação de urgência, pois era muito caro. À distância juntava-se uma outra dificuldade: a falta de entrosamento entre os membros das comunidades, que a dada altura, levou à restruturação das duas mesmas comunidades.
Construção da casa da comunidade de Itoculo, em 2003
Projecto – Itoculo
Os espiritanos assumiram, a pedido do Bispo de Nacala, comunidades de Itoculo. O P. Alberto Tchindemba assumiu a responsabilidade da paróquia de Netia, como pároco; e o P. Pedro Fernandes assumiu as duas regiões de Itoculo. Mas todos colaboravam com todos, em ambos os territórios. A situação de carência pastoral em que se encontrava Itoculo e a grande extensão da área levaram, desde cedo, a pensar em soluções de presença física de alguma comunidade missionária no território de Itoculo. Entretanto, tinha ficado claro, que a paróquia de Netia era das mais indicadas para confiar aos padres diocesanos, mas o clero era incipiente: quando os espiritanos chegaram em 1996, havia apenas um padre da diocese de Nacala! Mas, no final da década, eram já em número considerável.
Em 1998, os espiritanos em Netia escreveram um memorando propondo a possibilidade de se transferirem para o centro do país, mais perto do Chimoio, facilitando assim as comunicações entre as duas comunidades, fisicamente muito distantes. Prosseguindo o discernimento, tanto da comunidade de Inyazónia como do Conselho Geral veio a ideia de manter a posição espiritana na mesma diocese, Nacala. Foi a partir daí que surgiu uma proposta nova e consistente: entregar à diocese a missão de Netia e criar condições materiais em Itoculo, para que a comunidade espiritana para ali se transferisse, prosseguindo a cura pastoral que já realizava desde o início. Essa proposta colheu total consenso, tanto do Grupo Espiritano e do Conselho Geral, como da parte da diocese.
Desde o início, o projeto de Itoculo foi um projeto de equipa, construído por todos e incluindo a participação de leigos missionários. Em 1999, aconteceu uma reestruturação das duas comunidades espiritanas, Netia e Inyazónia: o P. Benedito Cangueno saiu do país, o P. Lawerence passou de Netia para Inyazónia, fazendo equipa com o P. Anthony e, pouco depois, já em 2000, com o P. John Kingston. O P. Damasceno dos Reis chegou à comunidade de Netia em 1999, completando a equipa, com os PP. Pedro e Alberto.
Foi com esta equipa renovada que o projeto de Itoculo se construiu e avançou: em 2000 começaram os primeiros movimentos de preparação; em 2002, oficializou-se com a diocese o novo acordo, que previa a entrega de Netia e a fundação da nova missão em Itoculo; em 2004 terminaram as obras em Itoculo de modo que a mudança da comunidade pôde acontecer a 8 de Março desse ano para, em 19 de março, ser criada a nova paróquia de S. José de Itoculo. Em 2007, se terminaria a construção do novo Centro Paroquial de S. Francisco Xavier. Entretanto, um terreno foi adquirido para que as Irmãs espiritanas ali construíssem a sua nova casa. Convidadas pelos espiritanos e pela diocese, elas aceitaram o novo projeto e instalaram-se em 2005.
Um dos desafios imediatos foi criar coesão e unidade paroquial numa extensa realidade que, durante anos, tinha tido diferentes modelos de animação pastoral. Os espiritanos abriram a nova missão em Itoculo sede e assumiram a cura pastoral das três regiões paroquiais que existiam na altura: Djipwi, Chihire e Congo.
Joana Pedro, leiga missionária em Itoculo, 2008. Desde 2004, a missão de Itoculo tem acolhido ininterruptamente missionários leigos
Redimensionamento
A reflexão sobre uma eventual solução no que toca à coesão e da falta de comunicação entre as duas comunidades foi colocada ao Conselho Geral dois anos depois da nossa chegada a Moçambique. Assim, a comunidade de Netia, dirigia-se ao Conselho Geral dizendo: «Constatamos, ao analisarmos a nossa situação nesta diocese de Nacala, que nos encontramos numa das Paróquias mais desenvolvidas e amadurecidas da diocese, que agora começa a poder contar com os seus primeiros padres diocesanos. Nesta altura, prestaremos melhor serviço à diocese se entregarmos a paróquia aos cuidados dos padres locais. Ora, nessa altura, tudo se poderá repensar, já que nada obriga a que os espiritanos assumam outra paróquia nesta diocese» (Netia, 16.04.1998).
O discernimento continuou, e a opção de deixarmos a diocese de Nacala é rejeitada. Três anos depois desta correspondência, a comunidade de Netia dirigia-se ao Superior Geral e seu Conselho dizendo: «Conforme conversávamos com o P. Jerónimo Cahinga, a comunidade de Netia, a partir do diálogo com o D. Germano Grachane, Bispo da Diocese de Nacala, e o P. John Kingston, Superior do Grupo, está em processo de transferência para Itoculo, uma área missionária vizinha, que aliás já assistimos pastoralmente. Iniciámos já o longo caminho para ai criarmos condições de residência (…)». (Netia, 21.09.2001).
O Conselho Geral encoraja fortemente o projeto de Itoculo. Depois da sua aprovação, iniciou-se uma nova fase rumo à solução do problema da distância entre as comunidades. O Conselho Geral, na pessoa do correspondente para Moçambique, escrevia o seguinte: «gostaria de saber um pouco mais concretamente as razões e os objetivos dessa comunidade e onde vos parece (a todos) prioritário colocá-la. O próprio Conselho Geral seria favorável ao estabelecimento de uma tal comunidade na Beira, por ser central em relação a Inhazónia e a Nampula. Essa mesma comunidade poderia assumir a responsabilidade dos candidatos à Congregação ou mesmo dum Postulantado» (P. Jerónimo Cahinga, 20.5.2003).
P. Raul Viana, numa comunidade da missão de Itoculo, em 2011
Terceira Comunidade
À decisão do Conselho Geral para a abertura da terceira comunidade espiritana seguiram-se as propostas apresentadas por cada comunidade. Inhazónia defendia que se devia abrir a terceira comunidade na Beira, ao passo que Netia, numa das suas reflexões dizia: «Nampula poderia ser um excelente compromisso entre os vários desafios e solicitações que nos são colocados: seria uma resposta algo positiva à necessidade de formação no seminário e ao pedido dos bispos; seria uma comunidade espiritana em boa concertação com a comunidade já existente na vizinha diocese de Nacala; seria uma comunidade missionária em consonância com o nosso carisma; ofereceria, em acréscimo, condições óptimas para o acolhimento de postulantes» (Netia, 12.06.2003).
Ouvidas as propostas das duas comunidades, o Conselho Geral respondeu: «Sobre a terceira comunidade o Conselho Geral está de acordo que se instale em Nampula, comunidade esta que se dedicaria à pastoral urbana, e à formação dos nossos candidatos. Ao mesmo tempo um ou outro membro dessa comunidade poderia eventualmente estar disponível para colaborar com os combonianos no Seminário interdiocesano, a nível de aulas ou outra tarefa que fosse necessário […]. Logo em seguida, quando essa comunidade fosse instalada se poderia pensar numa quarta comunidade mais ou menos próxima da de Inhazónia. Em todo este projeto, porém, procure-se manter a unidade física e psicológica do Grupo» (Conselho Geral, 30.10.2001).
Portanto, foi na sequência desta carta que a 18 de Outubro de 2004 se deu a abertura da comunidade espiritana de Nampula e, em 2014, a da comunidade da Beira.
P. Alberto Tchindemba, numa celebração na Paróquia S. João de Deus, em Nampula, em 2009