Caríssimos irmãos e irmãs da família espiritana!
Quando imaginamos a Ressurreição de Jesus, espontaneamente nos vêm à memória representações luminosas de Jesus glorioso, em posição ereta e vencedora. Em tempos de depressão generalizada, como os que vivemos hoje, gosto de recordar uma outra representação da experiência do ressuscitado, que nos é oferecida por Caravaggio no seu quadro: “Incredulidade de Tomé”. Aqui, aparece-nos em grande plano a figura de um Tomé recurvado sobre Jesus, colocando, absorto, o dedo na ferida do seu peito. E Jesus, igualmente, inclinado sobre Tomé, e conduzindo-lhe a mão e o dedo para dentro do seu lado (de um modo quase excessivo!), dedicado a deixar-se tocar, deixando que o dedo seja posto na ferida. Em segundo plano, duas outras figuras, igualmente inclinadas sobre a cena, numa atenção comum à chaga gloriosa que evidencia a veracidade da Ressurreição, a autenticidade da presença viva de Jesus.
Numa entrevista a D. José Ornelas, bispo de Setúbal, publicada no Diário de Notícias deste sábado Santo, ele profere uma frase básica, quase banal, e que, no entanto, diz tudo sobre o que celebramos: “A verdade fundamental é a de que Cristo está”.
Em tempos de confinamento e de eclipse de todas as exteriores manifestações de festa e de encontro, também nós nos recurvamos, de novo, sobre o essencial da Pascoa: “pomos o dedo na ferida”, que é a nossa, e somos convidados a vê-la “do lado de lá”, o lado em que mesmo o peito trespassado e a vida desfeita, mesmo a morte, ganham um definitivo sentido de vida e de vitória.
As chagas de uma humanidade ferida por um estranho vírus que a paralisou e, muito mais, ferida de muitas outras chagas que a atormentam desde há muito, querem ser agora tocadas. É Jesus, vencedor de todas as chagas – mesmo das nossas – que conduz o nosso dedo, atentamente, paciente com a nossa lentidão para crer, para que n’Ele descubramos que as nossas feridas podem afinal chegar à vitória sobre o seu próprio absurdo e diluição.
A frase “Vamos ficar bem!”, ultimamente muitas vezes repetida, é mais do que uma profissão de otimismo ou uma benevolente consolação oferecida a uma sociedade amedrontada: é uma prévia confissão de fé, antiga Boa Nova, válida para todos os tempos, sejam eles de distração festiva ou de contida moderação em tempos de pandemia.
O nosso olhar missionário sobre esta Páscoa pode conduzir-nos a acompanhar o dedo inquiridor de Tomé, no quadro de Caravaggio: com ele descobrir as feridas de uma humanidade sofredora, injustiçada, que a pandemia não veio melhorar. E ao mesmo tempo, na nossa atitude que vence o medo e se assume como Igreja em saída, mesmo em tempos de clausura, proclamamos a frase fundamental: “Cristo está!” E D. José Ornelas completava: “Deus está mais do lado das vítimas que dos seus algozes”. Assim é e assim continuará a ser se nós nos deixarmos conduzir por Ele, que leva as nossas mãos e o nosso olhar para o seu coração trespassado e Ressuscitado, para que o descubramos nos irmãos e os ajudemos a descobri-Lo.
A todos os meus irmãos e irmãs, desejo uma Páscoa cheia de Cristo Ressuscitado, que está e continuará a estar!