Por estes dias de pandemia tenho dado comigo num turbilhão de interrogações que se assemelham às de milhões de outros seres humanos tocados por esta doença que se espalhou e alterou hábitos enraizados e tomados como lei absoluta.
De repente a natureza lembra-nos que fazemos parte de algo bem maior do que nós e a nossa reação vai da indiferença ao histerismo, do medo à desesperança!
Vivemos tempos históricos sob todos os pontos de vista. Nunca, na pós-modernidade, o não visível foi tão real para o ser humano crente da sua autonomia (a lei em si) absoluta.
A tomada de consciência do nosso lugar no mundo pode, indelevelmente, mudar o modo como interagimos connosco mesmo, com os outros, a natureza, Deus!
Não quero fazer um exercício de futurologia sobre o que virá, mas parece-me que se há coisa que o Covid-19 nos trouxe foi a consciência que ‘estamos de passagem’. Daquela Páscoa, entendida como passagem, que nos preparamos para celebrar na paixão, morte e ressurreição de Cristo.
Esta pode ser – por mais contraditório que nos possa parecer – a oportunidade para uma Metanoia, uma alteração de pensamento, um reposicionamento do nosso lugar, uma conversão do olhar e do viver no tempo e espaço que sendo nossos não nos pertencem.
Este novo olhar de autêntico ‘pó amado por Deus’, inserido no Cosmos, levar-nos-á a uma alteração nos ritmos frenéticos de vida, no recuperar do essencial. Numa partilha mais visível e equitativa dos bens colocados à nossa disposição, menos centrada no simples lucro e mais voltada para o Bem Comum (este é, talvez, o maior desafio como Igreja se quisermos voz profética perante os despedimentos que já começam a surgir no final da primeira semana de isolamento social).
Um ritmo de vida menos robotizado e mais humano, capaz do encontro com o Outro, marcado pela valorização da comunidade e da família, no respeito pelas diferenças e pela aprendizagem do valor da diversidade.
Os desafios que se avizinham ultrapassam, por certo, tal como o vírus, o ser individual que cada um é.
Precisamos de voltar a olhar o Alto, contemplar a criação e pressentir o Mistério que nos habita, que nos irmana e convoca a uma resposta unívoca, como espécie, como filhos de um Deus Maior!