A oração oficial da Igreja, a que rezam em coro ou em particular os ministros ordenados e os religiosos consagrados por votos ou outras formas de compromisso, essa oração inicia-se cada dia com estas palavras: “Deus, vinde em nosso auxílio. Senhor, socorrei-nos e salvai-nos, ou, em versão brasileira, socorrei-nos sem demora. A Liturgia é mestra da Fé ao mesmo tempo que a expressa, que a manifesta e lhe dá corpo. Com esta invocação de abertura de cada “hora” da oração queremos dizer que não sabemos rezar como convém, pedimos a Deus que ponha em nossos lábios as palavras certas, que o seu Espírito reze em nós. Deste modo, tomamos a atitude certa do autêntico orante: atitude de humildade, de desnudamento do que em nós é presunção, de estender nossas mãos vazias, mãos de quem se apresenta com coração de pobre.
O pobre e orante por excelência é o próprio Filho de Deus, Jesus Senhor. Quanto mais identificados com Ele melhor nós rezamos. E d’Ele diz o Espírito Santo, o inspirador da Carta aos Filipenses: “Cristo Jesus, que era de condição divina, não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz. Por isso Deus o exaltou…”. Ele humilhou-se até ao escândalo e loucura da morte na cruz. Nasceu na pobreza do presépio, ganhou o pão de cada dia como operário, “filho do carpinteiro”, anunciou o Reino de Deus andando de terra em terra sem eira nem beira, deu-se no pão e no vinho que transformou no seu corpo e sangue, lavou os pés dos apóstolos com isso os ensinando expressamente a fazerem-se servos uns dos outros e foi para o Jardim das Oliveiras esperar os seus captores para se cumprir o que de si mesmo dissera: “ninguém me tira a vida; sou eu próprio que a dou.”
Cristo Jesus, em sua pobreza voluntária, e em sua morte e ressurreição revela o rosto da misericórdia do Pai; é a misericórdia divina debruçada sobre nós, é o poder de Deus dado a conhecer não como força que se impõe e se faz obedecer, mas como misericórdia que se compadece e perdoa. É Ele o nosso modelo, o nosso ideal de vida para sermos misericordiosos, nós também, como o seu e nosso Pai. E a condição primeira e indispensável para isso é sermos humildes como Ele.
Humildade não significa desistir de lutar por mais justiça, contemporizar com opressão, corrupção, tirania. Pelo contrário, ela nos faz mais próximos de quem sofre, nos leva a sentir como nossa a alegria e a dor do outro, e nos leva a erguer e a cuidar do caído; nos faz ainda analisar os acontecimentos, bons e maus, desde a perspetiva dos excluídos. Quem é humilde é forte na luta por um mundo melhor. Pelo contrário, no coração do soberbo aninham-se medos e recalcamentos. Relembremos as vidas de alguns dos maiores tiranos: Júlio César, esbanjador e afogado em dívidas, fez as guerras da Gália, e as guerras contra os generais romanos, seus possíveis opositores, para arranjar dinheiro. Relembrem Napoleão, aquela insignificância, cheia de complexos de inferioridade e as guerras que fez; relembrem Hitler, Estaline, Mao, Pol Pot, etc., tudo gente pequena que quis ser grande à força, à custa de milhões de vidas humanas.
Em novembro é bom lembrar que somos, na expressão do nosso P. Vieira, pó erguido que logo será pó caído. Mas, se vivermos como o nosso modelo Jesus, seremos por Ele, com Ele e n’Ele pó transfigurado, glorioso, por morte e ressurreição semelhante à d’Ele. Que a alegria da Esperança que está em nós nos faça perseverantes no serviço humilde em favor de um mundo melhor, desde já, neste tempo curto, mas grávido da Graça de Deus.
P. José Gaspar