Festa da Epifania
A história dos Reis Magos é uma narração ternurenta, que se tornou presença indispensável nos nossos presépios e que a tradição se encarregou de reforçar atribuindo-lhes nomes e cores. Mas também eles, à semelhança dos outros elementos essenciais do Natal cristão vão perdendo força ou, até, desaparecendo: o presépio foi substituído pela árvore do Natal; agora é o Pai Natal que povoa a imaginação das nossas crianças; por sua vez, a estrela de Belém parece também ela ter sofrido um desvio, pois agora é o fascínio das lojas e grandes superfícies que atrai as multidões.
O texto de S. Mateus, agora escutado, priva-nos também de vários pormenores, que em muito satisfariam a nossa curiosidade sobre os Reis Magos: omite-nos tudo sobre a sua identidade, a(s) localidade(s) donde partiram, as distâncias percorridas, o tempo desta longa viagem e algumas das muitas peripécias, que sempre acontecem e que não apenas dão colorido ao tempo, como também mais tarde gostamos de recordar…
Ao invés, o evangelista só nos fornece o pormenor do regresso por caminho diferente e, aparentemente, por motivos bem óbvios: prolongar a expectativa de Herodes, permitindo assim que, o recém-nascido e sua mãe, se fortaleçam um pouco mais, para poderem enfrentar com mais segurança as agruras da viagem rumo às terras da emigração.
Mas, creio não atraiçoar S. Mateus se afirmar que as suas intenções são muito mais vastas e profundas. Ele quer dizer-nos que encontrar-se com Cristo provoca necessariamente mudanças: encontrar-se com Cristo leva necessariamente a evitar os caminhos de Herodes, isto é, da hipocrisia e do medo, geradores da inveja que corrói e destrói; mas são também de evitar os caminhos da Jerusalém às escuras, sem estrela e sem luz: mergulhada no materialismo do dia-a-dia, tinha-se alheado dos sinais anunciadores da proximidade do Messias.
Por isso, encontrar-se com Cristo leva necessariamente a abandonar os caminhos de um cristianismo medíocre, desenxabido, meramente formalista e, por isso, sem alegria, sem alma, sem garra e sem paixão. De um cristianismo assim não se podem esperar cristãos ativos e criativos, empenhados em ajudar o nosso mundo a descobrir ‘nova normalidade’ e não apenas regressar a um passado recente, a gerar novos impulsos de solidariedade criativa para promover a cultura do cuidar, de que nos falava o Papa Francisco na sua mensagem para Dia Mundial da Paz.
Dá, pois, para ver que “regressar por outro caminho” tem mesmo a ver com cada um/a de nós e que tem mais a ver com a nossa mudança interior do que com o recurso a percursos alternativos. Deixemo-nos reconduzir à simplicidade e pobreza da gruta de Belém e ao Menino que lá continua a morar, pois só aí a nossa luz poderá recuperar o seu fulgor! Sem isso, transformar-nos-emos inevitavelmente numa Jerusalém adormecida e bolorenta, que não encaminha, nem encanta!
Em seu artigo, noto a frase “voltando de uma maneira diferente” pela primeira vez. Devo buscar ao Senhor quanto ao seu significado.