O tema dos abusos sexuais dentro da Igreja diz respeito a todos nós, Igreja, Povo de Deus: bispos, padres, religiosos e leigos. Desta forma, seria difícil não abordar um tema tão candente num momento em que vêm a público vários casos, sendo o mais badalado, a investigação feita nos Estados Unidos na Diocese da Pensilvânia com um extenso relatório de abusos cometidos no seio da Igreja desde a década de 50 do século passado.
É sabido que a triste realidade dos abusos sexuais acontece na maior parte das vezes em relações de proximidade: família, escola, desporto e em outras relações em que o abusador tem um ascendente sobre a vítima (veja-se o caso recente do médico condenado nos Estados Unidos que abusava das atletas ginastas). Mas na Igreja? Com esta dimensão? Como foi possível? Como é que membros de uma Igreja, cuja uma das missões é estar ao lado dos mais pequenos, mais do que trair, violentaram e abandonaram esses mesmos pequenos? E como pôde, parte da hierarquia, esconder esses mesmos abusos?
Durante muito tempo, desde que começaram a sair informações sobre os abusos sexuais, a Igreja não reagiu de forma direta, incisiva e transparente. É sabido que nestes momentos muitos se aproveitam de lançar falsas acusações ou de procurar enlamear a Igreja. Mas ao não reagir prontamente, pedindo perdão às vítimas e à sociedade em geral e tomando medidas concretas e públicas que prevenissem casos no futuro acabou por aprofundar ainda mais as feridas e a dor que todos sentimos.
Neste momento particularmente complexo da Igreja, o Papa Francisco escreveu uma carta ao povo de Deus dizendo: “Olhando para o passado, nunca será suficiente o que se faça para pedir perdão e procurar reparar o dano causado”. No entanto, para lá da dor, da vergonha e do pedido de perdão às vítimas e ao mundo em geral, a Igreja terá de refletir o seu modo de funcionamento, desde o escrutínio ao sacerdócio como a relação hierárquica entre os membros do clero, assumindo as suas fragilidades e garantindo a transparência.
A convocatória dos bispos do mundo inteiro a Roma para o próximo ano para falar destes temas é um passo que se espera que vá nesse sentido para que, como diz o Papa: “Olhando para o futuro, nunca será pouco tudo o que for feito para gerar uma cultura capaz de evitar que essas situações não só não aconteçam, mas que não encontrem espaços para serem ocultadas e perpetuadas”.