Acabo de ver um filme sobre um cirurgião de sucesso. A sua missão – como ele a descreve – é cortar, entrar, consertar e sair. Qualquer envolvimento emocional com os doentes é completamente inútil e pode até custar vidas. A relação com a sua esposa e filhos padece da mesma “saúde”: ocupado, ausente, emocionalmente morto. Até ao momento em que começa a tossir sangue e lhe é diagnosticado um tumor maligno na garganta. Aprender a ser paciente foi uma verdadeira revolução. No final do filme, vêmo-lo a obrigar os jovens cirurgiões em formação, durante três dias e noites, a vestir a bata de doente, dormir e comer no hospital, e a ser submetidos aos variados exames e tratamentos que haveriam um dia de prescrever aos seus pacientes.
Durante este mês, assistimos a uma revolução no Evangelho: aquele Jesus que nos habituamos a ver fazer acontecer coisas com um simples gesto ou uma palavra de autoridade, encontrámo-lo agora a suar sangue e a ser levado e entregue, paciente, como um cordeiro. Assistimos à passagem da ação para a paixão. E não esqueçamos que, mais que a ação, é no Mistério Pascal que encontramos o conteúdo primeiro e fundamental do anúncio missionário da Igreja. Verdadeiros missionários e missionárias não podem senão beber aqui a sua razão de ser.
“Todos, tudo e sempre em missão” é o chavão deste ano missionário. À primeira vista, passa-me a ideia de um envolvente dinamismo, e até talvez de um certo ativismo. Mas, na vida e na missão, é preciso sempre outras vistas. E, olhando bem, ele ajuda-nos a perceber que a missão não é algo que eu tenho ou algo que eu faço. A missão é algo que eu sou!
Nas últimas semanas, as notícias que vão chegando de Moçambique pôem o nosso coração a sofrer com aquele nosso povo irmão. E esta revolução do coração iniciou uma vaga de solidariedade que esperamos que seja mais poderosa do que a do vento e da água. No terreno, os missionários partilham, impotentes, isolados e sem mantimentos, da mesma sorte do povo. Lembram-nos que o missionários, mais do que médico, é paciente.
“Ação Missionária” é um título que fica bem ao nosso jornal. Traduz o dinamismo missionário que queremos fazer chegar a todos. Mas importa ver mais fundo, para lá da ação. A Paixão rasga o véu e permite-nos ver de que é que é feito o coração de Cristo Missionário. E o coração de cada missionário – que é o mesmo que dizer cada cristão – não pode ser feito de outro material. E a Ressurreição vem abrir as portas das casas feitas de medo, onde nos encerramos.
Santa Páscoa!