Os tempos não estão para brincadeiras, mas o humor continua a ser a coisa mais séria deste mundo. Por isso, permitam-me que, mesmo no meio de tanta desgraça, evoque a irmã de um confrade meu que repetia sempre que me encontrava: ‘oh, como eu gostava de ser padre! Vocês só trabalham ao domingo de manhã. Estudaram a vida toda e nem sequer sabem a missa de cor, têm de ler no livro!’. Decidi começar a crónica por aqui para partilhar uma angústia que trago dentro de mim há muitos anos: muita gente não faz a mínima ideia de qual é a missão de um padre. Se saíssemos hoje à rua (não podemos!) e perguntássemos o que faz um padre, teríamos respostas de todas as qualidades e feitios. E se perguntássemos para que serve um padre, aí a situação ia ser mais complicada ainda!
Tudo isto a propósito desta pandemia que nos aflige e nos mata. Que pode e deve fazer um padre? Que esperam as pessoas que nós façamos? Começo por pedir um favor: ‘não exijam que façamos milagres, que espantemos o vírus, que atiremos água benta para cara das pessoas e as curemos, que andemos a violar regras de cidadania a pretexto de pôr Deus a fazer milagres contrariando as forças da natureza…não, não podemos nem devemos fazer isso! Temos que ser todos ‘padres anti-vírus’!
Li hoje dois textos interessante no ‘Le Monde’ (Paris) e no ‘The New York Times’ sobre a forma como líderes das grandes Religiões se estão a comportar por esse mundo além. Não me surpreendeu perceber que há reacções muito diversas, até de sentido contrário. Assim, há líderes que acatam e promovem as regras que os governos impõem e há quem, em nome do ‘seu’ Deus, diga que o mais importante é continuar a abrir Igrejas, Mesquitas, Sinagogas e Templos para espantar com a oração colectiva esse vírus que é do diabo e que Deus vai arrasar com a força da nossa oração pública! Mas – e ressalvo – pude sobretudo perceber que os principais líderes religiosos têm consciência da gravidade da situação e da urgência de todos assumirmos e pormos em prática regras comuns de combate a esta pandemia. Estamos, assim, no bom caminho.
Voltemos aos padres e à sua Missão. As Igrejas, no mundo inteiro, não terão celebrações públicas nos próximos tempos, nem sequer na Páscoa. Está decidido, e bem, na minha perspetiva. Os Padres dão as suas vidas pelo povo que lhes foi confiado, por isso devem protege-lo. Não podem celebrar a Missa para as comunidades, mas celebram pelas suas comunidades. E mais: boa parte dentre eles descobriram que podem estar em permanente contacto com as pessoas através das tecnologias da comunicação. E vou percebendo que há padres que nunca estiveram tão perto do seu povo, que nunca foram tão próximos, promovem a caridade, gastam horas e horas ao telemóvel, nunca tiveram um discurso tão sereno, nunca foram tão fortes na capacidade de consolar, de motivar, de incentivar, de abraçar…mesmo de forma virtual.
Estou a acompanhar muitos bispos e padres nesta sua tentativa de estar perto, mesmo que fisicamente longe. E, porque conheço pessoalmente muitos, eu próprio fico espantado (pela positiva) com o que vejo e ouço: tanta proximidade, tanta esperança, tanta disponibilidade. Afinal de contas, os padres não servem só – como dizia a irmã do padre – para celebrar a missa ao domingo de manhã!
Os Padres – como tantos outros profissionais – também estão dispostos a arriscar a vida, sem deixarem de ser responsáveis. Em Itália já morrerem cerca de 50 padres com este vírus. Eles mantiveram a sua actividade pastoral até à chegada das leis que a proibiram. E, nesse entretanto, contraíram o vírus e morreram. Conta-se ainda o caso de um padre que, quando se apercebeu que um jovem ao seu lado não teria ventilador, deu o dele, morrendo para salvar o jovem. Mas, o mais importante, é saber que todos os padres têm ordens do Papa para arriscar quando é preciso socorrer alguma pessoa doente, idosa ou só (sem violar regras); os padres devem acompanhar os funerais (só com a família directa); os padres devem garantir que a prática da caridade nunca falhe. Assim, fica claro, que os mais frágeis terão sempre o apoio da Igreja.
Termino com um pedido: não peçam aos padres que violem as orientações das autoridades civis e do Papa. Todos queremos regressar, quanto antes, a Igrejas cheias, para rezarmos juntos. Mas, para isso, há que matar este vírus, com todas as armas que o mundo dispõe, sendo a mais importante, ficar em casa. É verdade que, para os crentes, a oração é uma arma poderosa. Daí que nós não baixemos os braços e não deixemos a nossa fé esmorecer. Vamos rezar, sim, e muito, agora mais que nunca. Mas será em casa, seguindo as celebrações pelos media, rezando em família ou em silêncio, meditando na Palavra de Deus, fazendo leituras espirituais. E dias virão (se nos comportarmos bem) em que voltaremos a rezar e a cantar nas nossas Igrejas e Capelas.
Estamos todos a atravessar o deserto, nesta quaresma que virou também quarentena. O povo de Israel, quando o atravessou, fartou-se de murmurar contra Deus e contra Moisés, o líder. Corremos o mesmo risco, esta é uma enorme tentação. Mas vamos avançar firmes, com fé e confiança: estamos no mesmo barco a enfrentar a mesma tempestade. Mas, uns com os outros e com Deus, vamos vencer, todos empenhados na arte do cuidado, pensando só e apenas no bem comum, como irmãos que somos.
Tony Neves CSSp e Artur Teixeira CMF