Hoje é um domingo especial em Roma. As ruas e os monumentos deviam estar apinhados de gente, mas está tudo às moscas (se é que as moscas também andam na rua!). Como não tenho cão para passear, estou em casa com a minha bela e plural comunidade. Alguns sentem falta de mundo entre as quatro paredes de casa. Eu, pelo contrário, sinto que tenho mundo a mais, pois somos quase vinte de outros tantos países!
Este vírus virou-nos do avesso e dá para pôr todas as questões, as que gostamos e aquelas a que não achamos piada nenhuma. Por exemplo: ‘Newton descobriu a Teoria da Gravidade durante a sua quarentena em 1665. Que é que tu já descobriste nesta tua quarentena?’. Ou a pergunta de uma idosa de 88 anos: ‘Se eu não saio para vender, o que vou comer hoje?’. Ou ainda esta, a provocar a fé do povo: ‘Se o mundo consegue todo (ou quase) acreditar na existência de algo que não vê (o vírus), porque tem tanta dificuldade em acreditar em Deus?’. Ou, para terminar as provocações: ‘Será que depois do coronavírus, o mundo vai voltar a ser igual, vai voltar a viver com o mesmo sistema económico ou vamos aprender alguma coisa mais?’.
Enfim, há dados incontornáveis para justificar as nossas quarentenas e dar asas aos nossos medos: um deles vem das estatísticas que só pecarão por defeito: 12 700 mortos! Aqui em Itália, ontem, houve 793 mortos e 6557 novos infectados! São números demolidores que justificam que todos se dêem as mãos contra este inimigo invisível, mas implacável.
Regressemos às Igreja vazias e ao muito que se vai dizendo sobre essa decisão corajosa e radical. Os cristãos têm de ser cidadãos de primeira. Por isso, quando há que agir com radicalidade, eles devem estar na linha da frente. O vírus – está estudado – espalha-se mais em ajuntamentos. Por isso, o distanciamento social é uma arma poderosa neste combate. Assim, se acabam futebóis e concertos, também têm de acabar missas, funerais e procissões. Tão simples quanto isso. Mas, então – como defendem alguns – não temos fé na força da oração? Temos que ter, e muita. Mas a fé não se celebra só em magote e, como diz o livro bíblico do Cohelet, há um tempo para tudo e todos os tempos são de aprendizagem e de inspiração. Este – claramente o tem dito o Papa Francisco – é de recolhimento e de oração mais em família nuclear. Tempos virão – se nos portarmos bem – em que voltaremos a encher a Praça de S. Pedro, Fátima e as capelinhas das nossas aldeias. E esses tempos não vão demorar, estou convencido.
Muito se tem escrito sobre a nossa capacidade (ou não) de sermos cristãos a correr a ritmos diferentes daqueles a que nos habituamos. Parece que a terra nos foge de debaixo dos pés quando temos que mudar formas de ser, estar e celebrar. Estes tempos do corona ajudam-nos a ver que podemos (e, talvez, devemos) alterar a nossa forma de ser Igreja, de rezar, de construir comunidade uns com os outros. Construimos a nossa vida cristã em cima de uma prática que parece ir pela água abaixo sem padres e sacramentos comunitários. Ora, os missionários/as há muito fazem a experiência de acompanhar comunidades cristãs vivas que só têm a sua visita (e os sacramentos a ele reservados) um ou duas vezes por ano. E estes cristãos não são menos cristãos que os outros, nem menos santos, nem a porta do Céu se lhes irá fechar por isso. Assim, fazer esta experiência de quarentena, ajuda-nos a perceber que a nossa relação com Deus e com os outros pode ter configurações e expressões diversas… E, na vida, há momentos de regra e horas de excepção.
De dois em dois dias, voltaremos a estas reflexões. Mas não queria terminar sem fazer um apelo grande à caridade e à atenção crucial aos mais frágeis. Aí, sim, o corona não pode mandar em nós. Teremos que correr os riscos necessários para tratar os doentes, para visitar os sós, para alimentar os famintos…
Desejo que esta quarentena, que fechou as portas que dão para a rua, abra as portas que vão directas aos corações. Uma boa semana.
Tony Neves CSSp e Artur Teixeira CMF (tugas na diáspora)