No início do livro bíblico de Jeremias, a vocação do profeta é introduzida com uma referência clara aos seus próprios limites pessoais e, sobretudo, ao contexto dificílimo que marcará a totalidade do livro: viviam-se tempos impossíveis de violência, infidelidade, decadência de estruturas e instituições, derrocada política e sinais de desalento e corrosão. Deus, depois de abordar o jovem Jeremias e lhe mostrar que tem para ele uma missão, faz-lhe uma pergunta decisiva: “Que vês, Jeremias?” E o jovem responde: “Vejo um ramo de amendoeira” (Jer 1,11). Resposta estranhíssima! Em tempos de catástrofe e diluição de todo um mundo conhecido, ele responde com o seu “ramo de amendoeira”, essa maravilhosa planta que floresce no inverno. No meio da desolação, Jeremias mostra-se capaz de erguer os olhos, ver para além das trevas e abrir-se ao futuro. E por isso Deus lhe responde: “Viste bem!” (v.12) Se Jeremias lhe tivesse falado da desgraça óbvia, em vez do ramo de amendoeira, teria Deus respondido: “Viste mal”?
Ver bem é ver para além das evidências, é captar não apenas os “quês” e os “porquês”, mas sobretudo os “para quês”: é perceber não apenas a coisa, mas interpretar o seu significado e sobretudo discernir a oportunidade e desafio que traz.
Um cenário de decadência e esperança foi o que viveram os espiritanos a partir da revolução republicana em 1910, até à reconstituição da província, entre os anos 1919 e 1921. No nosso calendário espiritano, assinala-se assim o centenário do relançamento da presença espiritana em Portugal (1919) e da ereção canónica da província portuguesa (2 de fevereiro de 1921). A partir de 1921, os espiritanos em Portugal retomaram a sua atividade normal e começaram, progressivamente, a reunir as condições necessárias para relançar a missão espiritana em Portugal e em Angola. Foi um árduo caminho, cheio de imensas dificuldades, trevas densas e sinais que pareciam apontar o fim de tudo. Homens como José Maria Antunes ou Moisés Alves de Pinho, com o apoio de numerosos espiritanos e amigos da congregação, não se vergaram no meio da tempestade, mas souberam ler nela os sinais do chamamento de Deus à renovação. Só essa atitude de compromisso na esperança tornou possível aos espiritanos saírem da tempestade mais fortes e prontos para mais uma etapa na sua experiência de missão.
Celebrando este centenário da esperança, do compromisso e da resiliência espiritanas, os espiritanos estão a lançar o nº 30 da sua revista Missão Espiritana, inteiramente dedicado a este centenário e ao desafio que nos traz de, agora como antes, nos sentirmos mobilizados para a renovação missionária, mesmo que o mundo nos fale de crise ou as nossas pernas comecem a fraquejar. O ano de 2021 deve trazer-nos uma boa notícia, semelhante à que nos trouxe 1921: o melhor está para vir!!