A viagem de regresso da Amazónia a Portugal levou oito dias. Comecei na comunidade de Água Branca, lá nos confins de Fonte Boa. De lá saí de barco (não há alternativa!), passando por igarapés (riachos) e furos (atalhos de água), sempre a olhar para as margens, onde os jacarés aproveitavam o sol. Chegamos sãos e salvos a Fonte Boa e, nessa noite, tomei a lancha rápida para Tefé, aproveitando este barco que faz em dia e meio a distância entre Manaus e a fronteira com a Colômbia e o Peru, viagem que dura mais de 6 dias no habitual barco de recreio! Tive apenas um dia para encontrar o Bispo, D. José Altevir, Espiritano natural da Amazónia, recentemente nomeado para esta Prelazia confiada aos Espiritanos desde a sua fundação. Tefé tem 420 comunidades rurais e urbanas, ficando Itamarati a 1547 kms da sede, com populações a viver em pobreza extrema. Foi uma alegria partilhar com ele as alegrias e também as dificuldades de uma Igreja de barco com imensas dificuldades de encontrar remadores e dinheiro para pagar o combustível das embarcações. Também guardo memória grata do almoço com o Dr. Thomas Schwamborn e sua esposa. Ele chegou da Alemanha há mais de 40 anos, casou em Tefé e ali está até hoje. Dirigiu durante 33 anos a Rádio Educação Rural de Tefé, desde 1987 até à sua reforma recente. Lembrou-me que, durante mais de cem anos, os Espiritanos foram os únicos missionários nesta região amazónica, deixando marcas únicas pelas vidas dadas em nome do Evangelho, fundando comunidades, formando pessoas, cuidando da sua educação, saúde, desenvolvimento integral, protegendo os rios e as florestas e defendendo as pessoas, sobretudo os povos indígenas e caboclos, das ganâncias de ter e de poder dos poderosos destas terras onde a borracha, a pesca, as madeiras e o garimpo davam milhões a muito poucos e condenava à miséria a maioria esmagadora das populações nativas ou migrantes. Os missionários foram a voz dos sem voz, defensores dos direitos humanos. A Rádio Rural, fundada em 1963, desempenhou um papel decisivo na evangelização, na formação integral das pessoas, na denúncia de violações dos direitos humanos, na preservação dos rios e das florestas.
Voei de Tefé para Manaus, passando um intenso fim de semana nas periferias complexas da capital da Amazónia, na Paróquia de Cristo Redentor. Tive a alegria de celebrar nas comunidades de S. Francisco de Assis, Nossa Senhora de Montserrat, Luz dos Povos e Sagrado Coração de Jesus. Participei na cerimónia de entrega de 400 cestas básicas pelo voluntariado social da Honda, empresa com quase dez mil colaboradores em Manaus. A Paróquia, confiada aos Espiritanos, tem identificadas mais de meio milhar de famílias pobres, muitas delas refugiadas da Venezuela. Pude ainda encontrar e jantar com a Prof. Raimunda Shaeken, presidente da União dos Escritores da Amazónia.
A noite foi curta para viajar de Manaus até S. Paulo. Ali pude percorrer algumas artérias do centro e periferias desta megalópolis. Encontrei o Provincial, o Ecónomo, e os Responsáveis pelas Casas de Formação de Filosofia e Teologia dos Espiritanos. As horas de carro, na ida e volta ao aeroporto, ajudaram-me a perceber porque há tantos sem abrigo no centro e tantas favelas pobres nas periferias. Há 72 mil moradores de rua identificados e cerca de 330 mil casas vazias…
A Amazónia que eu visitei vive tempos complicados, mas desafiantes. Comecemos pelo negativo: a escolaridade é frágil, a saúde débil, há muito abuso sexual no âmbito das famílias, com índices alarmantes de maternidade precoce, há muita corrupção política, são comuns os assaltos a casas e embarcações, regista-se um aumento de traficantes e pirataria nos rios, a invasão de grupos auto-proclamados de ‘evangélicos’, o desemprego é elevado, há um aumento significativo de pessoas afectadas pelo álcool e drogas, mesmo nas comunidades da floresta, a economia é frágil com preços exorbitantes, uma vez que tudo tem de vir de Manaus.
Mas o lado bom é sempre maior e mais rico. Percebe-se que o povo amplifica os sonhos do Papa Francisco para a Amazónia: o social, o cultural, o ecológico e o eclesial. Há perspetivas de futuro que se abrem. O povo é feliz e acolhe sempre de braços abertos, como pude verificar em todas as visitas que fiz. E está disposto a defender os rios e as florestas. Com gente feliz e com fé, é sempre possível inventar um mundo melhor.