Há uns dias, aconteceu um episódio insólito à porta do parlamento Britânico: um homem, vestido de Pai Natal, interpelou o deputado Michael Gove de modo rude dizendo que “vocês (os deputados) não sabem como as pessoas normais vivem”. O deputado, visivelmente embaraçado e tentando fugir daquela situação, de cada vez que tentava falar, era silenciado pela sineta que o Pai Natal tocava alto aos seus ouvidos. Este episódio, de puro humor britânico, acaba por ser uma boa metáfora destes tempos: vivemos em bolha com “os nossos” e as nossas relações com “os outros” vão sendo cada vez menores ao ponto de não sabermos como “eles” vivem.
Alguns desses “outros” são os migrantes que, por estes dias, são notícia pela longa marcha de desespero e esperança empreendida entre as Honduras e Tijuana no México. O objetivo da maioria é entrar na América, para ter trabalho e fugir de uma vida de miséria, violência e falta de oportunidades.
Em vez de escrever a minha visão do tema, deixo os migrantes falarem de viva voz sobre o que sentem e vivem:
“O emprego nas Honduras é temporário, os EUA apoiam as Honduras, mas esse apoio não chega aos agricultores”
“Sabemos que em todos os países há leis e regras para cumprir, mas há uma lei maior: a lei de Deus do Amor e da Misericórida. Eu confio especialmente nessas regras que Deus pôs em cada homem. Deus não lhes entregou pedras nos corações.”
“Não importa o país, importa ter uma oportunidade de seguir com a vida em frente. Todo o caminho é cruel, uns morreram e houve tentativas de raptos de crianças. Não se sabe quantos se perderam e nunca se saberá. A imagem mais bonita que trago, é que Deus tocou o coração dos Guatemalacos e dos Mexicanos que nos estão a ajudar.”
“Não há emprego, não há saúde a delinquência está a invadir as nossas cidades. Em cada país deram-nos um tecto, alimentos. Estou muito agradecida, eu que saí das Honduras com 7 euros e 2 filhas. As minhas filhas têm 5 e 3 anos e, apesar de pequenas, são de garra, caminharam o que eu caminhei.”
“Os meus filhos foram presos (aqui no México). Foram comprar comida e foram presos. Não é crime ter fome e comprar comida.”
“Não estou habituado a que me deem as coisas. Estou habituado a trabalhar, trabalhar. Não sou delinquente. Não me considero escória. Deus têm-me aqui com algum propósito.”
Podem ouvir estes (e outros) relatos na Grande Reportagem da Antena 1 de 12-Dezembro. Está on-line, tal como as outras “bolhas” da vida de hoje.