“Quando propus que fizessem uma celebração todos os domingos, logo disseram que não tinham um catequista. Propus que escolhessem algumas pessoas para dirigirem a celebração, mas disseram que não havia ninguém que soubesse ler. Propus que se reunissem simplesmente e oferecessem a Deus o encontro como um agradecimento e pedido que Ele abençoasse a semana seguinte.”
D. Mário Clemente Neto, in “Vim para servir: como ser Igreja no coração da Amazônia”
Ernestina Falcão
Escrevo estas linhas de coração profundamente agradecido por cada encontro que aconteceu na minha vida, nestes dias tão especiais em que me foi permitido viver na Amazónia – a pátria da água, como lhe chama o poeta Thiago de Mello “ramificado em milhares de caminhos de água/ Mágico labirinto que de si mesmo se recria, incessante/ Atravessando milhões de quilómetros quadrados de território verde/ É o Amazonas/ A pátria da água.”
O gosto pela natureza e pelo contacto com a natureza é algo que me caracteriza e sempre tive vontade de conhecer as maravilhas que Deus criou neste lugar do nosso planeta, que é a Amazónia…
Cada vez mais me convenço de que, quando Deus coloca uma vontade no nosso coração, que não nos perturba mas que também não desaparece, é Ele a chamar-nos a ser felizes, pois para isso nos criou. O gosto pela natureza e pelo contacto com a natureza é algo que me caracteriza e sempre tive vontade de conhecer as maravilhas que Deus criou neste lugar do nosso planeta, que é a Amazónia. “Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus”, diz o nosso querido Papa Francisco, na Encíclica Laudato Si. E isso foi, por mim, sentido na imensa beleza da Amazónia. A sua contemplação fez brotar, em minha alma, uma atitude de louvor ao nosso Deus.
…mas este fascínio rapidamente passou das criaturas de Deus para os filhos de Deus: as pessoas, os caboclos, os amazonenses.
Mas este fascínio rapidamente passou das criaturas de Deus (desde a enorme castanheira da Amazónia, a minúscula flor do cacaueiro, a singular flor do cupuaçu até à mais mimética borboleta) para os filhos de Deus: as pessoas, os caboclos, os amazonenses. A característica deste povo que mais me marcou foi a sua enorme generosidade. Fui acolhida de braços e coração abertos, começando pelos Missionários do Espírito Santo que aí doam a vida ao serviço de Deus e dos irmãos (P. Gaspar e P. Carmelo, em Manaus; P. Flávio, P. Domingos e P. Firmino, em Tefé e Missão; e D. Mário e P. Mário, em Fonte Boa), as Irmãs Servas da Santíssima Trindade (Selita, Odete e Cida), até às pessoas das diversas comunidades, na cidade e no interior, que nos acolhem com uma generosidade e uma alegria que nos deixa sem palavras.
Sem desconsiderar nenhum dos Missionários, que tão bem me acolheram, permitam-me que vos fale um pouco de um deles: D. Mário, autor das palavras com que iniciei este artigo. É um Bispo emérito, de trato fácil e afável, que, do alto dos seus 78 anos de idade, nos dá muitas lições de humildade, simplicidade e desapego dos bens materiais. Sempre de chinelo no pé (exceto quando vai celebrar a Eucaristia), desloca-se para as comunidades, dentro da cidade de Fonte Boa, de bicicleta, pois, para as restantes, só de barco. Nas suas palestras e homilias, é a imagem de alguém a sorrir e a falar com muita convicção do essencial, que eu guardo. Também o caracteriza o gosto pela natureza, da qual cuida, no quintal da missão, tratando pelo seu nome cada uma das cerca de 30 espécies de árvores que lá vivem.
Tive a alegria de poder acompanhar D. Mário numa viagem de barco ao interior para fazer a visita a três comunidades: Boca de Júlio, Barreirinha de Cima e S. Luís. Foram quatro dias e meio em que a estrada foi o rio e a casa foi o barco. Essa viagem destinava-se a levar o sacrário para duas destas comunidades, onde ficou, pela primeira vez, Jesus na Eucaristia.
Deixo-vos com esta oração do Papa Francisco: “Senhor Deus, ensina-nos a comtemplar-Vos na beleza do universo, onde tudo nos fala de Vós. Despertai o nosso louvor e a nossa gratidão por cada ser que criastes. Dai-nos a graça de nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe.”