Temos a graça de estar vivendo a Quaresma, este tempo de preparação intensa para a Páscoa do Senhor Jesus. No Brasil, o esforço de conversão pastoral, pessoal e comunitária é potenciado, desde há 54 anos, pela Campanha da Fraternidade, neste ano de 2018 com o tema “Fraternidade e Superação da Violência”.
A violência aqui é demais, somos suas vítimas todos os dias. Espanta pelos números, pela crueza e por suas múltiplas formas. Com menos de 3% da população mundial, o Brasil responde por 13% dos assassínios no planeta, 59.627 em 2016, mais mortes por armas de fogo do que nas diferentes chacinas e atentados em diversas partes do mundo, uma autêntica guerra civil não declarada.
Ainda assim, a nossa Igreja conclama-nos a espevitar a chama da esperança numa outra sociedade de justiça, paz e fraternidade. Em vez de sermos reféns do medo, a Igreja propõe que nos concentremos na superação da violência, à luz do Evangelho e do exemplo de Jesus. Nesta superação, que urge não só no Brasil, mas no mundo inteiro, inclusive em Portugal, onde a insegurança é também tema recorrente da agenda política, havemos de priorizar a cultura da fraternidade contra a cultura da violência.
Cultura ou cultivo da violência é, por exemplo, defender a liberalização do porte de armas, defender a diminuição da maioridade penal, pensar e agir como se tudo se resolvesse com polícia e cadeia e, assim, destruir os afloramentos da violência sem tocar nas suas raízes, nas suas causas socioeconómicas. Cultivar a violência é pensar e agir como se a justiça fosse vingança em vez de correção e oportunidade de reabilitação; é pensar e agir como se um preso não fosse uma pessoa com direitos humanos que um Estado de direito tem obrigação de defender; é ainda culpar a vítima, com o pretexto de que ela é marginal ou não se resguardou de assédios ou provocações, etc.
Cultivar a fraternidade é saber e fazer ver que somos todos irmãos, é defender o aumento dos investimentos em educação, saúde, saneamento básico, políticas públicas de proximidade aos cidadãos, é ser honesto e não alinhar em nenhum tipo de corrupção, passiva ou ativa, é ser misericordioso e perdoar como queremos ser perdoados; é saber, inclusive, que a política é, como escreveu Paulo VI na sua Carta Apostólica Octogesima Adveniens, nº46, “uma maneira exigente – se bem que não a única – de viver o compromisso cristão, ao serviço dos outros” e, como escreveram os bispos do Brasil, no recente Doc.105 da CNBB, nº162, um “inestimável serviço à humanidade e parte integrante da missão de todo o povo de Deus”.
Tudo isto é muito para o tempo de uma campanha. Por isso, ser fraterno tem de ser compromisso diário, continuamente reassumido, de quem reza, e bem, o Pai Nosso.