Não é gralha. É mesmo assim. Não é Natal, mas é muito parecido. Notel é o nome de um projeto espiritano, no centro de Colónia, na Alemanha. Das oito da noite às oito da manhã, todos os dias do ano, há mais de 30 anos, abre as suas portas para acolher toxicodependentes em situação de sem-abrigo. À entrada, estes são convidados a esvaziar os seus bolsos de quaisquer drogas. Um controlo simples e falível, longe das revistas corporais da polícia. São também convidados a deixar lá fora comportamentos violentos e destrutivos. Quem os acolhe lá dentro, também é convidado a esvaziar os seus bolsos de sentimentos paternalistas e a deixar lá fora qualquer olhar de preconceito ou julgamento. Os toxicodependentes, que todos os dias têm de viver a experiência de estar na margem da rua e da sociedade, são aqui acolhidos incondicionalmente como hóspedes e vêem a sua dignidade respeitada. Tão simples como isso. Não encontram aqui terapias de reabilitação, psicólogos profissionais ou apoio médico que vá muito para além de tratar alguma ferida mais superficial. Apenas um lar quente e amigo. Um banho, uma refeição quente, dois dedos de conversa, um momento de lazer, uma cama para dormir, artigos de higiene, roupa lavada. Tão simples como isso.
Tive a alegria de visitar Notel. Foi no contexto da reunião dos ecónomos espiritanos da Europa, que decorreu em Knechtsteden, na última semana de novembro. No final das reuniões, fomos até Colónia. Depois de visitar a sua imponente catedral, com as famosas relíquias dos Reis Magos embrulhadas em ouro e prata, e os seus quilómetros quadrados de vitrais que enchem o olho, visitamos, ali perto, esta outra “catedral” de Notel, que enche o coração. O projeto foi criado pelos espiritanos em 1990. Em 2007, foi criada a Fundação Espiritanos (Spiritaner-Stiftung), que gere os projetos espiritanos como este, na Alemanha, na linha do nosso compromisso de Justiça e Paz. O espaço de Notel é simples e acolhedor. Tem dez camas, distribuídas por três quartos, com possibilidade de estender mais alguns colchões naqueles dias de inverno mais frios. Tem lugares para banho e higiene pessoal, lavandaria, cozinha e sala de jantar e convívio. Tem também uma pequena capela. Uma vez por semana, celebra-se a Eucaristia.
No decorrer da visita, um dos colaboradores do centro foi partilhando a sua experiência. Não tem dados concretos sobre a mudança que este projeto provoca no itinerário destas pessoas. Mas destacou uma clara convicção: se aquelas pessoas tivessem sido encontradas e acolhidas, como em Notel, dez ou vinte anos antes nas suas vidas, muito provavelmente a sua história seria outra. É razão para dizer, como escrevia um amigo meu num postal de Natal que recebi este ano: “Antes que seja tarde, faz com que seja Natal”.
Eu não estou a falar do dia 25 de dezembro. Estou a falar daquele Menino que nasce no meio dos pobres. Todos os dias.