D. Manuel Martins ‘deixou-nos’ aos 90 anos. ‘Deixou-nos’… uma lição enorme de atenção aos pequeninos e pobres, às periferias e margens, como tanto pede o Papa Francisco.
Tudo começou nos tempos do exílio de D. António Ferreira Gomes. Ficou sempre do lado deste Bispo profeta que gritava por democracia, liberdade e atenção aos mais frágeis. Nomeado para ser o primeiro Bispo de Setúbal, desceu 350 kms no mapa, mas não perdeu nada da sua ousadia e coragem de dizer o que era preciso dizer e fazer o que o tempo exigia que fosse feito. Esta coerência gerou amigos de peito e ódios de estimação, com que ele convivia serenamente.
Chegou a Setúbal em tempos duros, marcados pelo desemprego de muitos, de uma pobreza que criava nichos de fome envergonhada. Denunciou estes dramas e pôs as questões sociais no mapa da governação.
Muito antes dos 75 anos canónicos, pediu ao Papa para deixar a Missão de Bispo titular, ganhando tempo para se dedicar de alma e coração às questões dos pobres, através da Fundação Spes e múltiplas intervenções por este país acima e abaixo e através dos media que sempre amplificaram muito a sua voz desempoeirada. Receberia a Grã-Cruz da Ordem de Cristo e o Galardão dos Direitos Humanos da Assembleia da República.
Partiu a 24 de setembro. Políticos de todos os quadrantes, autoridades eclesiásticas de todas as dioceses, líderes de muitas instituições não pouparam elogios a este homem da Igreja tão empenhado nas causas de uma cidadania responsável. Fico feliz por perceber quanto a sua postura profética foi e é reconhecida por todos…ou quase. Para mim, a sua vida é um grito por mais justiça, fé e liberdade e a sua morte traz uma responsabilidade acrescida no assumir destes valores humanos e cristãos.
O presidente da República, a 5 de Outubro, atribuiu-lhe a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. Como o fez também a Maria de Lourdes Pintasilgo. Reconheceu ao 1º Bispo de Setúbal o mérito de uma vida entregue ao serviço dos outros, sobretudo dos mais sofredores. Falou de um pastor dedicado ao Evangelho da Libertação.
Obrigado D. Manuel Martins, por ser um ‘mais velho’, de acordo com as culturas africanas: um sábio que deixa uma herança enorme às gerações seguintes. É, para todos, inspiração e incentivo na construção de um mundo mais humano, mais fraterno e mais cristão.
Tony Neves