Editorial
Revista Missão Espiritana 25-26
‘Fé, inteligência, organização, trabalho, serviço’, eis algumas das palavras que me invadiram o pensamento e assaltaram o coração quando, no aeroporto de Lisboa, a caminho de Luanda, recebi a notícia da morte do P. Manuel Gonçalves.
Antes de mais, algumas palavras de gratidão. À CEAST (D. Gabriel Mbilingi, presidente, contactou-me imediatamente, o mesmo acontecendo com D. Emílio Sumbelelo, Secretário-Geral); ao Sr. Cardeal D. Alexandre do Nascimento, à Arquidiocese de Luanda (aqui representada pelo seu Arcebispo e Bispos Auxiliares), aos diferentes Institutos Religiosos, à Universidade Católica, aos Leigos aqui numerosos. Sentimos o calor da vossa oração e a força da vossa solidariedade.
O P. Manuel Gonçalves, nas muitas homilias exequiais que proferiu, gostava de repetir que quando alguém morre, dizer que ele partiu é só afirmar meia verdade, porque ele ficou no coração das pessoas através da sua vida, obra e testemunho. Ficou como inspiração.
Tem razão… a sua vida fala alto e cala fundo no nosso coração. Ele foi sempre um homem de Deus, colocando a Igreja em primeiro lugar nas suas opções, preocupações e ocupações.
Ele sempre serviu… morreu pobre, despojado de tudo, até da sua grande inteligência e capacidade de se relacionar e comunicar. Estive com ele na semana passada e ele já não me reconheceu…
Nascido em Alfena – Valongo (diocese do Porto) a 8 de Dezembro de 1935, Manuel Gonçalves era um homem de Fé. Por isso, a construção da Igreja de Jesus Cristo foi a sua grande paixão. Teve cargos de enorme responsabilidade que lhe trouxeram alegrias e sofrimentos. O Seminário do Fraião – Braga, no início dos anos 60 (1961-68); o Seminário da Torre d’Aguilha nos tempos quentes do Maio de 68 que marcaram a implementação do Concílio Vaticano II, em tempos de fim de regime de partido único e da era colonial (1968-1973); Malanje, nos começos da sua Missão em Angola, onde passaria os tempos da independência e marxização do novo país (1973-1977); Huambo, na Direção do Seminário de Cristo-Rei, numa época particularmente difícil (1977-82); Portugal, como reitor da teologia e Vice-Provincial para a Formação (1982-1986); Roma, como Conselheiro Geral dos espiritanos (1986-1992); Luanda, como secretário da Pastoral da CEAST e Professor no Seminário Maior (1993-1997), mais tarde, como membro da Comissão Instaladora da Universidade Católica de que foi grande impulsionador e primeiro Administrador (1997-2003), a menina dos seu olhos, de quem falava com ternura e entusiasmo enquanto pôde…; Canadá, onde fez um Mestrado em Ciências da Missão que inspiraria o livro ‘O que tem de errado o Código da Vinci?’ (2003-2004); Centro Espírito Santo e Missão, no Seminário da Silva, como diretor deste Centro de Espiritualidade (2004-2005); Casa Provincial – Estrela, em Lisboa, como Arquivista da Província, numa altura em que a doença de Alzheimer se começou a declarar (2005-2006); Torre d’Aguilha (Cascais) e Fraião, comunidades que o acompanharam até que Deus o chamasse, a 29 de Junho de 2013, Solenidade de S. Pedro e S. Paulo.
Era um homem de inteligência invulgar. Foi mandado para Roma estudar (licenciou-se em Teologia Sistemática na Universidade Gregoriana, em Roma, em 1959): lia muito e era uma enciclopédia ambulante. Era capaz de dar diversas cadeiras no mesmo semestre, como o fez no Seminário Maior do Huambo. Conseguia a proeza de aliar a teoria á prática, a teologia à pastoral direta.
Tinha uma visão alargada das coisas e, por isso, conseguia ser um homem de ideias (de ideais, sempre) e uma pessoa com grande capacidade de organização. Era um excelente operacional. Ele foi o meu Reitor de Teologia e todos lhe reconhecemos este carisma de bem organizar e executar.
Tinha uma capacidade de trabalho notável: fazia muitas coisas ao mesmo tempo, era eficaz. Homem simples – faz lembrar o Papa Francisco – sempre centrado no essencial, simpático e bom conversador, não tinha sábados, domingos, feriados ou férias. Na lógica dele, o importante para descansar era mudar de ocupação!
‘Servir’ era o seu lema de vida, bem à moda de Cláudio Poullart des Places e Francisco Libermann, os fundadores dos Espiritanos. Ele foi um grande missionário que dedicou muito da sua vida às novas gerações, como formador e professor. Como sinal de providência (eu não acredito nas coincidências!), Deus o chamou no dia seguinte ao encerramento das Jornadas Mundiais da Juventude no Rio de Janeiro que teve o lema ‘Ide e fazei de todas as nações discípulos’.
O Papa Francisco tem pedido a todos um estilo de vida simples, um testemunho contagiante de alegria, uma dedicação total ao serviço dos outros, uma atenção redobrada às periferias onde vivem os pobres, um anúncio feliz do Evangelho libertador de Cristo. Foi isto que o P. Manuel Gonçalves fez enquanto as forças lho permitiram.
Que Deus o recompense da sua entrega total à Missão da Igreja. Que Deus nos ajude a encontrar neste grande missionário a inspiração para seguirmos mais e melhor Cristo, o Senhor da Messe que nos envia pelos caminhos do mundo a anunciar a Boa Nova.
Tony Neves (Homilia proferida pelo P. Tony Neves na Eucaristia de Homenagem Póstuma ao P. Manuel Gonçalves, realizada na Sé Catedral de Luanda, na tarde do dia 2 de Agosto de 2013. A Eucaristia presidida por D. Damião Franklin, Arcebispo de Luanda, com a participação do Cardeal D. Alexandre do Nascimento, dos Bispos Auxiliares D. Anastácio Kahango e D. Zeferino Zeca, bem como de numerosos Padres, Irmãs e Leigos.)