Junho, em Portugal, sabe a sardinhas e cheira a manjericos. Ouve-se música, gritos, saudações, conversas, passos de arruada ou de dança. Sabe a festa, a arraial, a marcha, a desfile, a celebrações, a procissões, a casamentos, a encontros. Enche os olhos de cor, de sorrisos, de ritmo, de fogo de artifício, de brindes à saúde. Em suma, é um mês de festas populares. Santo António abre o cortejo. S. João garante a continuidade. S. Pedro e S. Paulo encerram com chave de ouro este tempo festivo.
Só que, 2020 acordou com a chegada de um vírus que fechou o mundo em casa, contaminou, matou, paralisou a economia e cancelou todas as festas. Estas também, para tristeza do povo.
Santo António, apesar de tudo, vai chegar. E vai ensinar-nos que o essencial da sua vida e Missão é lição contra esta e todas as pandemias. Ao olhar para a vida dos Santos, interrogámo-nos como chegaram eles ao estatuto de ‘festeiros’ por excelência. A verdade é que, com o andar dos tempos, fomos perdendo a força da sua profecia, a sabedoria dos seus ensinamentos e a coragem dos seus compromissos. Talvez este ano nos mostre o verdadeiro rosto daquele que, em Itália, é conhecido por ‘o Santo’. Sim, aqui em Itália, quando se fala no ‘Santo’ não é preciso acrescentar nenhum nome. Toda a gente sabe que se trata de Santo António! E, como nós também sabemos e muitos esquecem, António é português de origem, nasceu em Lisboa, andou por Coimbra e só depois foi parar a Itália onde passou boa parte da sua vida, morrendo em Pádua.
A sua vida é um hino à Missão. Quis ser missionário no norte de África para continuar o trabalho dos mártires de Marrocos. Os ventos do Mediterrâneo (ou melhor, os Ventos do Espírito!) desviaram-no para Itália onde teve o privilégio de conhecer Francisco de Assis no início da sua revolução humana e cristã. Francisco viu que António tinha classe, pois era bom, inteligente e trabalhador, e agarrou-o logo como grande formador das primeiras gerações de franciscanos.
Era um grande amigo dos pobres. Diríamos que herdou de Francisco de Assis e transmitiu ao Papa Francisco esta atenção especial às periferias e margens, onde vivem as pessoas a quem as sociedades não dão vez nem voz. É, por isso, uma grande inspiração nestes tempos de pandemia.
Este covid ajuda-nos a centrar-nos no essencial. Ontem como hoje, as pessoas estão todas no mesmo barco, ou seja, habitamos a mesma terra, nossa casa comum. E, muitas vezes, remamos uns contra os outros, deixando que o mar engula os mais frágeis. Santo António veio dizer ao mundo inteiro que somos irmãos, que a fraternidade é universal ou, então, estamos todos enganados e perdidos. Este 13 de junho deverá ser celebrado com a focagem no essencial da vida e missão do Santo. Vamos tentar recuperar a força do seu carisma, a sua fé sem limites e a caridade que foi motor da sua vida e consagração franciscana.
O Papa Francisco, no dia de Pentecostes, repetiu o que todos sabemos há muito: se não enfrentarmos a pobreza hoje, também não valerá de nada matar este vírus! António conseguiu a síntese perfeita entre contemplação e acção, entre o dizer e o fazer, o rezar e o intervir, o anunciar e o denunciar, o debitar grandes teorias e o praticar a caridade para com os mais frágeis das sociedades, atirados para as periferias e margens do nosso mundo, a quem ninguém respeita os seus direitos mais fundamentais.
António era muito bom a fazer sermões. Até dizem que, quando as pessoas não o queriam ouvir, ele pregava aos peixes! E mais: interpelava as pessoas, obrigando-as a ser coerentes. Disse:’calem-se as palavras, falem as obras’. Ou seja: não digam uma coisa e façam outra! Todos sabemos como ele tem inspirado grandes pregadores ao longo dos tempos. Porque vivo em Roma, não posso deixar de citar um extracto do grande sermão que o Padre António Vieira pregou aqui, na Igreja de Santo António dos Portugueses, a 13 de junho de 1670. Disse assim dele: “Para nascer, pouca terra; para morrer, toda a terra. Para nascer, Portugal; para morrer, o mundo.” . É uma excelente síntese da vida e Missão do nosso Santo que celebramos, mesmo sob a ameaça do covid. Acreditamos, como o Santo, que a última palavra será sempre de esperança e de futuro.