30º Domingo do Tempo Comum
“Logo ele recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho” – assim termina em S. Marcos o relato da cura de Bartimeu. S. Lucas acrescenta: glorificando a Deus. Mas, na realidade, este acrescento é desnecessário, pois era verdadeiramente impossível que aquele homem se limitasse a fazê-lo de uma forma serena e tranquila!
Foi também o que aconteceu com os apóstolos e primeiros discípulos de Jesus: “Não podemos calar o que vimos e ouvimos!” e que o papa Francisco evoca para este Dia Mundial das Missões: “a amizade com o Senhor, o vê-Lo curar os doentes, comer com os pecadores, alimentar os famintos, aproximar-Se dos excluídos, tocar os impuros, identificar-Se com os necessitados, fazer apelo às bem-aventuranças, ensinar de maneira nova e cheia de autoridade, deixa uma marca indelével, capaz de suscitar admiração e uma alegria expansiva e gratuita que não se pode conter. Como dizia o profeta Jeremias, esta experiência é o fogo ardente da sua presença ativa no nosso coração que nos impele à missão, mesmo que às vezes implique sacrifícios e incompreensões”. Com efeito, “o amor está sempre em movimento e põe-nos em movimento, para partilhar o anúncio mais belo e promissor: “Encontramos o Messias”. Na verdade, o ardor missionário nunca se pode obter em consequência dum raciocínio ou dum cálculo. Colocar-se “em estado de missão” é um reflexo da gratidão”.
Por isso, “com Jesus, vimos, ouvimos e constatamos que as coisas podem mudar. Ele inaugurou – já para os dias de hoje – os tempos futuros, recordando-nos uma caraterística essencial do nosso ser humano, tantas vezes esquecida: “fomos criados para a plenitude, que só se alcança no amor”. Tempos novos, que suscitam uma fé capaz de estimular iniciativas e plasmar comunidades a partir de homens e mulheres que aprendem a ocupar-se da fragilidade própria e dos outros, promovendo a fraternidade e a amizade social”.
Temos de reconhecer que a situação atual não é favorável, mas é seguramente desafiante: “a situação da pandemia evidenciou e aumentou o sofrimento, a solidão, a pobreza e as injustiças de que já tantos padeciam, e desmascarou as nossas falsas seguranças e as fragmentações e polarizações que nos dilaceram silenciosamente. Os mais frágeis e vulneráveis sentiram ainda mais a sua vulnerabilidade e fragilidade. Experimentamos o desânimo, a deceção, o cansaço; e até a amargura conformista, que tira a esperança, se apoderou do nosso olhar”.
Daí a necessidade de revisitarmos constantemente, no livro dos Atos dos Apóstolos, os obstáculos que os primeiros cristãos tiveram de enfrentar: “os primeiros cristãos começaram a sua vida de fé num ambiente hostil e árduo. Histórias de marginalização e prisão entrelaçavam-se com resistências internas e externas, que pareciam contradizer e até negar o que tinham visto e ouvido; mas isso, em vez de ser uma dificuldade ou um obstáculo que poderia levá-los a retrair-se ou fechar-se em si mesmos, impeliu-os a transformar cada incómodo, contrariedade e dificuldade em oportunidade para a missão. Os próprios limites e impedimentos tornaram-se um lugar privilegiado para ungir, tudo e todos, com o Espírito do Senhor”. É que, “quando experimentamos a força do amor de Deus, quando reconhecemos a sua presença de Pai na nossa vida pessoal e comunitária, não podemos deixar de anunciar e partilhar o que vimos e ouvimos”.
Por isso, “neste tempo de pandemia, perante a tentação de mascarar e justificar a indiferença e a apatia em nome dum sadio distanciamento social, é urgente a missão da compaixão, capaz de fazer da distância necessária um lugar de encontro, cuidado e promoção. “O que vimos e ouvi-mos”, a misericórdia com que fomos tratados, transforma-se no ponto de referência e credibilidade que nos permite recuperar e partilhar a paixão por criar “uma comunidade de pertença e solidariedade, à qual saibamos destinar tempo, esforço e bens”. É a sua Palavra que diariamente nos redime e salva das desculpas que levam a fechar-nos no mais vil dos ceticismos: “Tanto faz; nada mudará!” Pois, à pergunta “para que hei de privar-me das minhas seguranças, comodidades e prazeres, se não vou ver qualquer resultado importante”, a resposta é sempre a mesma: “Jesus Cristo triunfou sobre o pecado e a morte e possui todo o poder. Jesus Cristo vive verdadeiramente” e, também a nós, nos quer vivos, fraternos e capazes de acolher e partilhar esta esperança. No contexto atual, há urgente necessidade de missionários de esperança que, ungidos pelo Senhor, sejam capazes de lembrar profeticamente que ninguém se salva sozinho.
Daí, o convite pessoal que o Papa dirige a cada um/a de nós: “O tema do Dia Mundial das Missões deste ano – “não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos” – é um convite dirigido a cada um de nós para cuidar e dar a conhecer aquilo que tem no coração. Esta missão é, e sempre foi, a identidade da Igreja: “ela existe para evangelizar”. No isolamento pessoal ou fechando-se em pequenos grupos, a nossa vida de fé esmorece, perde profecia e capacidade de encanto e gratidão; por sua própria dinâmica, exige uma abertura crescente, capaz de alcançar e abraçar a todos. Atraídos pelo Senhor e a vida nova que oferecia, os primeiros cristãos, em vez de cederem à tentação de se fechar numa elite, foram ao encontro dos povos para testemunhar o que viram e ouviram: o Reino de Deus está próximo. E fizeram-no com a generosidade, gratidão e nobreza próprias das pessoas que semeiam, sabendo que outros comerão o fruto da sua dedicação e sacrifício. Por isso apraz-me pensar que “mesmo os mais frágeis, limitados e feridos podem [ser missionários] à sua maneira, porque sempre devemos permitir que o bem seja comunicado, embora coexista com muitas fragilidades”.
Que o amor de compaixão do Senhor Jesus desperte também o nosso e, a todos, nos torne discípulos missionários e que “Maria, a primeira discípula missionária, faça crescer em todos os batizados o desejo de ser sal e luz nas nossas terras”.