3º Domingo do Tempo Comum
A dedicação dum domingo do Ano Litúrgico particularmente à Palavra de Deus permite, antes de mais nada, fazer a Igreja reviver o gesto do Ressuscitado que abre, também para nós, o tesouro da sua Palavra, para podermos ser no mundo arautos desta riqueza inexaurível. A propósito, voltam à mente os ensinamentos de Santo Efrém: “Quem poderá compreender, Senhor, toda a riqueza duma só das tuas palavras? Como o sedento que bebe da fonte, muito mais é o que perdemos do que o que tomamos. A tua palavra apresenta muitos aspetos diversos, como diversas são as perspetivas daqueles que a estudam. O Senhor pintou a sua palavra com muitas belezas, para que aqueles que a perscrutam possam contemplar aquilo que preferirem. Escondeu na sua palavra todos os tesouros, para que cada um de nós se enriqueça em qualquer dos pontos que medita” (Comentários sobre o Diatessaron, 1, 18).
É profundo o vínculo entre a Sagrada Escritura e a fé dos crentes. Sabendo que a fé vem da escuta, e a escuta centra–se na Palavra de Cristo (cf. Rm 10, 17), daí se vê a urgência e a importância que os crentes devem dar à escuta da Palavra do Senhor, tanto na ação litúrgica, como na oração e reflexão pessoais. [Por isso] O dia dedicado à Bíblia pretende ser, não “uma vez no ano”, mas uma vez por todo o ano, porque temos urgente necessidade de nos tornar familiares e íntimos da Sagrada Escritura e do Ressuscitado, que não cessa de partir a Palavra e o Pãona comunidade dos crentes. Para tal, precisamos de entrar emconfidência assídua com a Sagrada Escritura; caso contrário, o coração fica frio e os olhos permanecem fechados, atingidos, como somos, por inumeráveis formas de cegueira.
Na II Carta a Timóteo, – que de certa forma constitui o testamento espiritual de Paulo, – este recomenda ao seu fiel colaborador que frequente assiduamente a Sagrada Escritura. O Apóstolo está convencido de que “toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça” (3, 16).
O papel do Espírito Santo na Sagrada Escritura é fundamental. Sem a sua ação, estaria sempre iminente o risco de ficarmos fechados apenas no texto escrito, facilitando uma interpretação fundamentalista, da qual é necessário manter-se longe para não trair o caráter inspirado, dinâmico e espiritual que o texto possui. Como recorda o Apóstolo, “a letra mata, enquanto o Espírito dá a vida” (2 Cor 3, 6). Por conseguinte, o Espírito Santo transforma a Sagrada Escritura em Palavra vi-va de Deus, vivida e transmitida na fé do seu povo santo. Quando a Sagrada Escritura é lida com o mesmo Espírito com que foi escrita, permanece sempre nova. O Antigo Testamento nunca é velho, uma vez que é parte do Novo, pois tudo é transformado pelo único Espírito que o inspira. O texto sagrado inteiro possui uma função profética: esta não diz respeito ao futuro, mas ao hoje de quem se alimenta desta Palavra. Afirma-o claramente o próprio Jesus, no início do seu ministério: “Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir” (Lc 4, 21). Quem se alimenta dia a dia da Palavra de Deus torna-se, como Jesus, contemporâneo das pessoas que encontra; não se sente tentado a cair em nostalgias estéreis do passado, nem em utopias desencarnadas relativas ao futuro.
Outra provocação que nos vem da Sagrada Escritura tem a ver com a caridade. A Palavra de Deus apela constantemente para o amor misericordioso do Pai, que pede a seus filhos para viverem na caridade. A vida de Jesus é a expressão plena e perfeita deste amor divino, que nada guarda para si, mas a todos se oferece sem reservas. Na parábola do pobre Lázaro, encontramos uma indicação preciosa. Depois da morte de Lázaro e do rico, este vê o pobre no seio de Abraão e pede para Lázaro ser enviado a casa dos seus irmãos a fim de os advertir sobre a vivência do amor do próximo para evitar que venham sofrer os mesmos tormentos dele. A resposta de Abraão é incisiva: “Têm Moisés e os Profetas; que os oiçam!” (Lc 16, 29). Escutar as sagradas Escrituras para praticar a misericórdia: este é um grande desafio lançado à nossa vida. A Palavra de Deus é capaz de abrir os nossos olhos, permitindo-nos sair do individualismo que leva à asfixia e à esterilidade enquanto abre a estrada da partilha e da solidariedade.
A exortação apostólica Verbum Domini, que constitui um ensinamento imprescindível para as nossas comunidades. Neste Documento, aprofunda-se de modo particular o caráter performativo da Palavra de Deus, sobretudo quando, na ação litúrgica, emerge o seu caráter propriamente sacramental.
Possa o domingo dedicado à Palavra fazer crescer no povo de Deus uma religiosa e assídua familiaridade com as sagradas Escrituras, tal como ensinava o autor sagrado já nos tempos antigos: esta palavra “está muito perto de ti, na tua boca e no teu coração, para a praticares” (Dt 30, 14). – Extratos do documento ‘Aperuit illis’, do Papa Francisco