O conto é-nos oferecido por Eduardo Galeano no seu Livro dos Abraços e narra-nos a estória de Fernando Silva, médico e diretor de um hospital de crianças, em Manágua. Conta-nos que na véspera do Natal, ficou a trabalhar até muito tarde. Os fogos-de-artifício começavam a iluminar o céu quando decidiu ir embora. Em casa, esperavam por ele para festejar. Fez uma última ronda pelas salas, e estava na última quando sentiu que passos o seguiam. Passos de algodão, virou-se e descobriu que um dos doentes andava atrás dele. Fernando reconheceu a sua cara marcada pela morte e aqueles olhos que pediam desculpas ou talvez pedissem licença. Fernando aproximou-se e o menino tocou-o com a mão: — diga para…— Diga a alguém que eu estou aqui!
Gritos mudos ou pessoas “invisíveis” em tantos lugares e situações abundam nas nossas vidas, nos nossos trabalhos, por vezes até nas nossas famílias.
A morte de um ente querido, a angústia da doença, as vidas mergulhadas na solidão, a impotência de ter nascido ou adquirido uma deficiência, o peso da idade e o sentimento da perda de valor, a incompreensão na depressão, a privação da liberdade, a revolta do que se sente em terra estrangeira, a luta do desempregado ou do que procura trabalho digno com compensação justa, o sofrimento das crianças/jovens institucionalizados, os silêncio das vítimas de violência, o cansaço das ainda donas de casa, cuidadoras de todos sem tempo para si…incontáveis causas, o mesmo denominador, o mesmo grito: Digam a alguém que estou aqui!
Talvez seja este o motivo pelo qual tantos dedicam o tempo especial das suas férias à escuta destes gritos. Tempo de escuta e sobretudo de renascimento, espaço pedagógico este que Deus tem, o de usar o que e quem nos é próximo para estreitar relação connosco.
Fica o desafio para os nossos sentidos, não para estarem apenas alerta em dias especiais, mas antes para os usarmos no dia-a-dia, a escuta atenta e amorosa, a dádiva do tempo, o uso das entranhas, das mãos e do coração… Pelo contrário deixemos as respostas prontas e as soluções instantâneas, levemos talvez um abraço na manga e continuemos a passar a palavra aos que continuam a correr apressados ou sem norte, algures perto de nós alguém, possivelmente com passos de algodão está a chamar… “Diga a alguém que estou aqui”.