O Papa nomeou o P. Belmiro Chissengueti Bispo de Cabinda. Convidámo-lo a partilhar connosco como vê a missão dos espiritanos e da Igreja em Angola, e a sua nova missão em Cabinda.
Como está Angola, hoje?
D. Belmiro: Angola teve tudo nas mãos para estar melhor do que está hoje. Depois da guerra que destruiu praticamente tudo, a 4 de Abril de 2002 chegou, finalmente, a paz tão desejada. Começou o gigantesco esforço de construção e reconstrução. A rede viária nacional foi reparada em pouco tempo, foram construídas escolas, hospitais, centralidades habitacionais, foram criados grandes projetos em agricultura e pecuária, etc, etc. O Governo manteve, por muitos anos, uma taxa de câmbio fixa, ou seja, que não obedecia às regras do mercado, injetando dólares e dólares para dar a aparência de uma inflação controlada. Quando em 2014, com a crise petrolífera, caímos no real, demo-nos conta que somos um país pobre, subdesenvolvido, dependente, com batón de petróleo. Vieram a nu as nossas debilidades manifestas em gastos descontrolados, nepotismo empobrecedor, desvios milionários de dinheiros públicos para o exterior, corrupção mortífera, milhares e milhares de trabalhadores fantasmas inscritos nas folhas de salário, educação pobre e hospitais tornados verdadeiras morgues por falta, em muitos casos, de medicamentos básicos. Hoje, o país parece reviver aquele momento de expectativa que precedeu à paz de 2002, ou seja, em saber o que virá depois! Com tantos desempregados aumentam, cada dia, os problemas sociais. Há um esforço do novo governo, herdeiro de um país praticamente falido, em dar um novo rumo ao país e todos temos o direito e o dever de apoiar as boas causas.
Como intervém a Igreja?
D. Belmiro: Em Outubro de 2004, a pedido da CEAST (Conferência Episcopal de Angola e São Tomé), a Comissão Episcopal de Justiça e Paz iniciou um projeto de Justiça Económica que visava preparar os cidadãos para um melhor seguimento e controlo dos atos do governo por meio da monitoria social. Na sua Carta Pastoral ‘Por uma justiça económica’ de Outubro de 2006, os Bispos Católicos de Angola aprovaram a monitoria social como um instrumento importante e necessário para os cidadãos acompanharem a execução do Orçamento Geral do Estado. Nestas análises, várias vozes da Igreja denunciaram, muitas vezes, o preço exagerado de determinadas obras que, na verdade, eram descartáveis. Não foram ouvidas, e hoje, muitas daquelas obras denunciadas, sobretudo as estradas, duraram mais de 5 anos. A rede viária está novamente em reconstrução, com tudo o que isto implica de gastos. A Igreja tem continuado o seu papel na busca constante da reconciliação nacional e da paz social. Não se tem calado diante da galopante corrupção que está a destruir o futuro do país. Uma outra frente de intervenção da Igreja é a integridade da criação. As zonas de exploração diamantífera e petrolífera não têm sido suficiente cuidadas no que toca às questões ambientais. Um problema novo ao qual o actual governo já colocou algum freio é a desflorestação intensa, descontrolada e criminosa que o país estava a viver. Sem uma mão firme, Angola pode tornar-se um deserto nos próximos anos, e já há sinais graves das consequências da desflorestação, sobretudo no Huambo, onde foi noticiado, há dias, que houve nascentes que secaram por causa directa da desflorestação. Os Bispos simbolizaram a necessidade da mudança de mentalidade por meio da floresta ‘LAUDATO SI’ iniciada, recentemente, no Namibe.
Qual a missão espiritana?
D. Belmiro: A missão espiritana está em Angola há mais de 150 anos. Celebramos o Jubileu em 2016. A Missão Espiritana foi responsável pela II Evangelização cujo método permitiu que o anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo chegasse a todo o território angolano. A responsabilidade primária assumida pela Congregação foi a de lançar as bases para a construção da Igreja local. Em Setembro de 1940, na celebração das Bodas de Diamante da presença Espiritana, foram criadas as Diocese de Luanda, Huambo e Bié. Sentimos, portanto, alegria, de termos dado o nosso melhor quer na construção de seminários, magistérios, missões, paróquias, internatos, escolas de artes e ofícios quer na formação do homem angolano. Grande parte do que foi por nós construído foi entregue à Igreja local. A maior tristeza que sentimos vem do facto de muitas dessas missões terem sido muito danificadas durante a guerra. Mas, pior do que isto, é que muitos daqueles que foram formados nas nossas missões e seminários, mesmo ocupando lugares de destaque na sociedade, pouco ou nada fizeram para a reconstrução das nossas missões. A Província Espiritana de Angola foi criada a 29 de Junho de 1977, num contexto extremamente difícil de guerra, marxização, nacionalizações e confiscos, poucos missionários, etc. Mas, era aquela a hora do Espírito Santo. Destaque para a coragem e determinação do Padre Bernardo Bongo, primeiro Superior Provincial, de uma história de Província que leva mais de 40 anos. Nestes tempos difíceis, sentimos o valor da solidariedade da Congregação a nível da nossa subsistência económica, de formação e de pessoal.As Províncias de Portugal, da Holanda e da Alemanha, por intermédio do Padre Quirino, enviaram sistematicamente contentores de comida, sapatos, roupa usada,etc, que permitiram a nossa subsistência . A França nos ajudou na formação especializada dos nossos Confrades; Portugal, Espanha, Quénia, França, Irlanda, Camarões acolheram os nossos escolásticos quando ficamos sem soluções internas. Somos gratos por tudo isto. A vida continua e as dificuldades estão longe de terminar. Falta pessoal, faltam meios financeiros, o escolasticado está a rebentar pelas costelas, mas, não desanimamos. Queremos pedir, expressamente, a ajuda da Província de Portugal na construção do nosso futuro Escolasticado Lusófono, e agradecemos a ajuda recebida da Casa Geral para esta finalidade. Os Espiritanos angolanos continuam a sua missão em Angola e no mundo. Neste momento estão 21 Confrades em missão ad extra.
Como reagiu ao convite para o episcopado?
D. Belmiro: Devo confessar que não foi fácil acolher o pedido do Papa Francisco para pastorear a Diocese de Cabinda. Tive noites em branco, de profunda reflexão e oração. Dos dias de reflexão que me haviam dado, pedi mais dois. No final cheguei à conclusão de que dizendo ‘não’ ao Santo Padre, para mim, não teria mais sentido nem a minha consagração religiosa nem o sacerdócio que têm na obediência à autoridade legítima a força motriz da missão da Igreja. Se cada um realizasse a sua vontade não haveria missão da Igreja. Custou-me muito porque tinha projectos muito claros tanto a nível da Congregação como da Conferência dos Religiosos que presido desde Março de 2017. Mas, a vontade de Deus é maior do que todos os nossos projectos ou seja, Deus tem os seus projectos.
Que missão Cabinda espera de ti?
D. Belmiro: Um amigo, um pastor, um “simples e humilde servidor da vinha do Senhor” como dizia o Papa emérito Bento XVI. Irei a Cabinda de alma e coração abertos para o diálogo aberto com todos e todas, velhos, adultos, jovens e crianças. Gostaria de gastar mais tempo naquilo que nos une e contribui para desenvolvimento da Igreja e da sociedade, contando com a colaboração directa, sincera e comprometida dos irmãos no sacerdócio, dos religiosos e religiosas, das comissões diocesanas, dos jovens, das famílias, dos movimentos laicais, das mamãs, de todos.