«Já te foi revelado, ó homem, o que é bom, o que o Senhor quer de ti: nada mais do que praticares a justiça, gostar do amor e caminhar humildemente com o teu Deus.» Miq. 6, 8
Ultimamente quase se torna um lugar comum falar da justiça e da misericórdia como dimensões essenciais para viver a fé cristã, no entanto, fica sempre um pouco na penumbra o significado dessa última proposta do Senhor: caminhar humildemente com o teu Deus.
A palavra humildade tem, nos últimos tempos, sido envolta num enorme silêncio. Talvez devido ao antropocentrismo da cultura atual, que não é capaz de reconhecer a pequenez humana perante a infinita grandiosidade de Deus.
A nossa incapacidade de fazer uma análise global e simultânea do mistério humano, faz com que a entrada das ciências humanas na teologia espiritual, tenha, por um lado, de fato, um contributo positivo, realçando a importância da auto-estima num são desenvolvimento humano e cristão, mas, por outro lado, leva a que se releve para segundo plano aquela pretendida humildade, que constitui um dos rasgos evangélicos mais inconfundíveis, base e fundamento de todas as virtudes, já que a raiz de todo o pecado continua a ser o orgulho: esse eterno querer apropriar-se daquilo que recebemos como dom!
Não são necessárias ofertas valiosas, nem grandes sacrifícios, senão, simplesmente, caminhar, fazer processo, avançar para a meta que Ele nos aponta, a plenitude para a qual Ele nos projetou. Não nos é pedido para caminhar no intuito de subir ao podium, como tanto gostamos, mas antes para irmos caminhando com passos prudentes… mas firmes, decididos… mas sensíveis, confiantes… mas humildes! Não com a violência de atingir um objetivo, mas atraídos pela pessoa de Jesus que dinamiza o nosso andar. A energia necessária para este movimento brota do próprio Senhor que Se põe a caminho connosco, carregando-nos no colo sempre que falha a coragem, a confiança… o amor!
Ele é o caminho. Temos de ser como o cego Bartimeu, que estando sentado na beira do caminho, porque a sua cegueira o justificava, passou a segui-l’O quando recuperou a vista. Descobriu Jesus, acreditou n’Ele [‘a tua fé te salvou’] e pôs-se em marcha seguindo Aquele que tinha enchido a sua vida de sentido.
Se a fé é semente e vivê-la supõe começar um processo, então, porquê tantos batizados estancam numa fé infantil enquanto vão amadurecendo e crescendo nas outras dimensões da sua vida? Porquê tantos sacerdotes, religiosos/as e leigos cumprem as suas obrigações, trabalham pelo Reino, como se de uma ONG se tratasse, e não avançam nem evoluem na sua relação com Deus?
O caminhar humilde é uma atitude interior que implica uma pequenez aceite, dignidade acolhida, caminhar em verdade com o coração a arder e agradecido pela sua companhia no caminho. (Sta. Teresa)
Só com os olhos postos em Jesus, podemos vislumbrar algo da verdadeira humildade na sua origem. A Encarnação constituiu um despojo daquilo que Lhe era mais próprio – o Seu Ser Deus; não Se apoiou nele mas esvaziou-Se por amor, para nos comunicar a Sua Origem. Não perdeu o Seu Ser divino, mas assumindo a condição humana, não Se degradou nem alienou… expressou de modo inefável aquela que é a essência mesma de Deus – o Amor!
Caminhar humildemente com Deus, não é ir como protagonista à missão, mas com a consciência de sermos instrumentos dóceis nas Suas mãos; é avançar com alegria e gratos por essa permanente companhia e pela energia do Espírito que nos é oferecida; é superar as nossas desconfianças e inseguranças com uma grande confiança naquele que é o Caminho.
Fátima Monteiro