Falar em Cesária Évora, em mornas e coladeiras, em morabeza e sodade… é falar de um povo simples mas muito alegre, que se sente gente destas Ilhas de Cabo Verde.
Quando os portugueses aqui chegaram só encontraram terra seca. Depois, não se sabe bem como nem porquê, as Ilhas foram sendo povoadas. Mas a história das pessoas que por aqui foram chegando explica a diversidade cultural e étnica. A luta contra tudo e contra todos, a começar pelo clima e pela geografia agreste, fez deste povo um dos mais corajosos que eu conheço. Além de resistente, é um povo crente e alegre. Daí que todas as pessoas que visitam as Ilhas, seja lá porque razões forem, ficam ligadas para sempre. E os que daqui partem à procura de melhores dias, também deixam cá um bocado da alma, regressam sempre que podem e vivem com a ‘sodade’ a roê-los por dentro.
Estou em Cabo Verde há duas semanas, mas é como se nunca daqui tivesse saído. É verdade que já cá vim diversas vezes, mas a simpatia e arte de acolher que é imagem de marca deste povo, não param de me surpreender. Agosto é tempo de férias para os milhares de emigrantes que vivem na Europa, Américas e África continental. O grito do sangue, ‘obriga’ muitos a regressar cada ano para abraçar os seus e proporcionar festa nas famílias e comunidades.
Depois de uma Reunião Capitular dos Espiritanos na Praia, rumei para o outro lado da Ilha de Santiago, fazendo a estrada do mar. Não tinha ainda chovido em 2021 e eis que caem as primeiras pingas na semana passada. Ora, todo o povo sai para os campos, muitos deles situados nas encostas das escarpas montanhosas, onde fazer agricultura e praticar alpinismo parece ser quase a mesma coisa. O que impressiona é ver tanta gente junta. Bastam três ou quatro dias de chuva para o feijão e o milho rebentarem. E muda muito a cor da paisagem: um castanho de seca extrema vai dando lugar a um verde de ervas que rebentam da noite para o dia. Foi isto que mais me impressionou na primeira viagem para a Calheta, mas ficaria ainda mais marcado por esta mudança de paisagem quando visitei o Tarrafal e atravessei a serra da Malagueta, belíssima, cheia de picos e abismos.
Mas falemos de festas. Agosto é tempo de celebrar padroeiros: uns, porque o calendário os lá põe, outros porque são adiados para este época em que os emigrantes estão de visita. Ora, a primeira consequência clara é o aumento enorme de celebrações de batizados e casamentos. Logo no primeiro sábado, presidi a mais de uma vintena de Batismos na Calheta de S. Miguel. No que a festas patronais diz respeito, pára tudo nas comunidades. Mesmo em quadro de pandemia, acho que ninguém fica em casa e ninguém deixa de visitar os seus familiares e amigos. São muitos os avisos para ter precauções, desde o colocar das máscaras ao uso do álcool gel ou ao respeito da distância social…mas fica tudo muito em águas de bacalhau, tal a vontade de ir saudar os seus de almoçar e jantar com eles…
Presidi aos 800 anos da morte de S. Domingos na festa patronal da aldeia de Pilão Cão, nas montanhas da Calheta de S. Miguel. A paisagem é de sonho e a simpatia das pessoas cativa à primeira vista. A Missa foi campal, não pôde haver Procissão, mas a festa fez-se com a presença das autoridades locais e até nacionais. Sempre de máscaras, sem beijos nem abraços, ainda visitei três ou quatro famílias para saudar e provar a cachupa que é sempre uma delícia, sobretudo em dias de festa.
Depois, veio o S. Lourenço e a Paróquia dos Órgãos, povoação de montanha situada entre S. Domingos e os Picos, também se engalanou para a festa. Só padres a concelebrar eram mais de uma dúzia, entre Religiosos e Diocesanos. A Igreja é enorme e estava à pinha, com máscaras a tapar rostos suados pelo calor. O almoço com toda aquela multidão não pôde realizar-se este ano, mas as pessoas foram entrando nas casas de familiares e amigos para a festa. Tive a oportunidade de partilhar a alegria da festa com a família do Provincial dos Espiritans de Cabo Verde que é dali natural e, por isso, ali juntou toda a família. É mesmo uma experiência extraordinária de uma fraternidade simples e familiar que já é difícil de encontrar na Europa.
Com tanta gente fora e tão pouca nas Ilhas, este mês de Agosto constrói pontes entre as pessoas que aqui nasceram ou, pelo menos têm raízes, e gosta de falar o seu crioulo e celebrar, com fé e em família, o seu santo Padroeiro.