“Bebé no lixo no país da Web Summit” foi o título dum recente artigo de Eduardo Cintra Torres. Eu não saberia resumir melhor os acontecimentos que marcaram uma mesma cidade (e, por contágio, o país), duma mesma semana de novembro.
Estes são ritmos da mesma cidade. Estes são mundos a acontecer lado a lado sem se tocarem. No meio da euforia das mais de 70 mil pessoas que pagaram bem (diz-se que os últimos bilhetes foram vendidos a mil euros) para estar no hotspot da tecno-excelência, surge a notícia de um recém-nascido encontrado e resgatado de um ecoponto, por um sem-abrigo.
Isto faz-me lembrar um episódio bíblico com um final feliz: Moisés salvo das águas. Este bebé foi salvo do lixo. Ironia do destino, o homem que encontou a criança precisava, também ele, de ser salvo da rua. E qual São Martinho condoído pelo frio do corpinho frágil, não partilhou a capa mas chamou a PSP que trouxe o INEM.
E, de repente, somos confrontados com os dramas de várias vidas: entra-nos em casa pela televisão, no carro pela rádio, ou nos bolsos pelo telemóvel. Entra-nos no coração o drama da mãe que rejeita, ela também sem-abrigo, o drama do bebé que lutou pela vida num berço de plásticos amarfanhados, e o drama da vida do sem-abrigo que se transformou em herói.
Tantos dramas. Tantas periferias. O Programa Pastoral 2019-2020 da Diocese de Lisboa, tendo em conta a Constituição Sinodal de Lisboa, tem como tema, nada mais, nada menos, “Sair com Cristo ao encontro de todas as periferias”.
O objetivo desta proposta é tão-somente o de “detetar em cada meio aqueles que, estando mais periféricos, mais precisam de ser centralizados na nossa atenção e cuidado… Podem ser pessoas ou grupos menos integrados, podem ser os que estão sós e pouco visitados, podem ser os que têm dificuldades de ordem física ou doença, podem ser os que chegam de perto ou de longe e requerem acolhimento…”, podem ser, digo eu, os que vivem sem tecto, na cidade que dá tecto ao Web Summit.
Não caiamos na tentação de empurrar para as câmaras ou para as misericórdias esta periferia que está tão bem sinalizada. Conseguiram-se, imediatamente, imensas famílias para acolher o bebé recém-nascido.
Vamos agir para que as oportunidades surjam para os outros mais crescidos que dormem na rua, não tão bonitos e doces como um bebé, igualmente frágeis como um ser abandonado.