Roubo parte do título deste artigo a um dos grandes livros da literatura cabo-verdiana: “Os Flagelados do Vento Leste”, de Manuel Barbosa. Romance de 1960 que conta a aventura e as agruras dos homens e das mulheres, na sua luta diária contra os desígnios e os infortúnios na ilha de S. Antão, em Cabo Verde (ilha que me viu nascer), onde por uma espécie de capricho da natureza, as águas das chuvas são desviadas para o Oceano, passando ao largo das ilhas. Apenas uma certa conjugação de fatores climáticos permite que Cabo Verde tenha a tão aclamada chuva que batiza e abençoa a terra seca e árida e que num rompante tinge-a de verde e dá o sustento necessário.
O romance é rico em personagens e descrições da natureza, desde o agricultor sábio que perscruta o vento (com especial atenção à temível Lestada), a temperatura e as nuvens e com isso decide se é tempo de lançar a semente à terra, passando pelos corvos velhacos à espreita para debicar as sementes, ao mesmo tempo que troçam das crianças que os tentam afugentar e atingir com as suas fundas. Existe o bandido da estrada, o mascarado, que rouba os poucos haveres das pessoas honradas e que, num ápice, tal cabrito-montês, se esconde nas furnas das montanhas. E não falta a mulher a quem chamam de bruxa, que só anuncia calamidades e dá mau agoiro, e que sobrevive à custa do medo dos outros e dos pequenos roubos na calada da noite.
Também há a professora voluptuosa de idade casadoira, mas que emagrece porque partilha o pouco que tem com os cada vez menos meninos que frequentam a escola. E como um mal nunca vem só, aparecem os gafanhotos, que compõe o conjunto de pragas bíblicas que põe à prova a resiliência de um povo mais do que provado.
Um romance que não sendo baseado em factos verídicos, fala de factos verdadeiros. E que para além da seca, da fome e da luta pela sobrevivência, também fala da esperança.
Haverá maior esperança do que lançar a semente à terra uma e outra vez, desafiando o destino?
Foi essa esperança em mudar o curso da história entre o intervalo dos pingos da aridez do destino que fortaleceu aquelas gentes e que os levou, nos idos de 60, a aventurar-se na emigração, quando um mundo novo bateu às portas das ilhas. Os corvos já não iriam troçar nem debicar essa esperança.
Qualquer semelhança com a história de vida das pessoas que hoje se enfiam em botes para atravessar o mediterrâneo ou percorrerem a América Central em caravanas em busca da vida, é pura realidade.
Antes de tecer comentários acerca dos emigrantes ou refugiados, os flagelados do tempo presente, é preciso respeito. Muito respeito.