O P. Albert Augustine Wulfu, missionário espiritano na Beira – Moçambique, fala-nos do drama que se viveu na região nos dias 14 e 15 de março… e que se continua a viver. Ninguém se lembra de nada parecido na história do país. Pessoas morreram, muitíssimas estão desalojadas e com fome.
A minha presença missionária na Beira, em Moçambique, tem sido acompanhada por muitos eventos e incidentes. No entanto, a noite do ciclone IDAI tão tem igual na memória dos residentes de Sofala. Os alertas meteorológicos preveniram-nos para uma noite muito complicada.
Foi uma noite barulhenta, tensa e longa. O vento começou por volta das 9 horas de Quinta-Feira, 14 de Março. Quando a magnitude do vento aumentou, pelas 19 horas, já estava tudo na escuridão e sem meios de comunicação. As pessoas cujas casas começaram a desabar correram para um local seguro, algumas das quais com ferimentos. À meia-noite, o tempo acalmou, mas por pouco tempo. Ouviam-se os gritos daqueles que pensavam que era o fim. Pela uma hora da manhã, o vento atingiu o máximo, com velocidade de 220 km/h, de acordo com os metrologistas. Neste ponto, casas foram abaladas, árvores caíram e vidros quebraram, as telhas voaram e edifícios ruíram. Na minha vida, foi a primeira vez que tive uma catástrofe natural de tal magnitude, e foi de fato desastrosa.
Quando o vento amainou, o primeiro contacto que eu tive fora da minha comunidade religiosa foram pessoas na minha vizinhança que sobreviveram à noite, porque suas casas foram completamente destruídas. Uma vez que, como espiritanos, “a evangelização dos pobres é nosso propósito” (RVE 4), em solidariedade, eu e os meus colegas espiritanos (Nicholas e Umango) na Beira decidimos dividir nossas roupas e alimentos com aqueles que perderam tudo, exceto suas vidas. Lamentavelmente, no sábado, dia 16 de Março, quando recomeçou o movimento na cidade, vi uma mulher no meu bairro cuja casa onde se refugiaram desmoronou e custou a vida de seus dois filhos. A mulher estava desamparada porque estavam todos dentro da casa por um período de dois dias e ninguém a ouvia chorar por causa da intensidade do vento que era muito forte e barulhento. Estávamos todos dentro de portas, para evitar o alto risco de ser morto ou ferido por objetos carregados pelo vento. Outro caso triste, foi o desaparecimento de uma mulher idosa com quem eu dançava sempre na Paróquia Nossa Senhora Rainha da Paz, Inhamizua onde eu celebro Missa também. Sua casa desmoronou enquanto ela estava aí repousando. Como era uma mulher idosa, não teve como se defender da intensa velocidade com que o vento se fazia sentir. Se o ciclone não tivesse tido esta intensidade, a situação teria sido diferente com a presença de pessoas em complexos vizinhos.
Multidão tenta aceder, de forma desesperada, a alimentos num armazém local.
Como resultado desta calamidade, fomos impedidos de nos comunicar desde as 19 horas de Quinta-Feira, 14 de Março. Só na noite de Segunda-Feira, 22 de Março, conseguimos comunicar aos nossos colegas na parte norte do país que estamos seguros. Com as notícias que corriam o mundo, muitas pessoas ficaram muito preocupadas. Quando a rede de telecomunicações foi restaurada numa parte específica da cidade, consegui comunicar aos membros de minha família religiosa e biológica que estava seguro. Na minha caixa de correio e contas das redes sociais já havia mensagens com palavras que denotam ansiedade e preocupação. Amigos em todo o mundo expressaram preocupação de tal forma que alguns sugeriram que eu voasse de volta para casa até que a situação se normalize porque houve outra especulação metrológica de que o ciclone pode retornar a Beira novamente a caminho do Oceano Índico. Fiquei tentado a considerar sua sugestão e preocupação com minha segurança e bem-estar. No entanto, olhando para a situação das pessoas ao meu redor que foram mais afetadas do que eu com rostos sorridentes, como se nada de desastroso tivesse acontecido connosco, fiquei motivado a ficar. Deixar a Beira não fazia sentido para mim.
Para muitos, a incidência e suas consequências são traumáticas. Para alguns era uma observância quaresmal única. Para outros era uma avenida de exploração: os preços de produtos essenciais como água potável, géneros alimentares e geradores subiram para três ou quatro vezes mais do que os preços em uma situação normal.
Tristemente, o armazém do INGC (Instituto Nacional de Gestão de Calamidades), muito próximo da paróquia Natividade de Nossa Senhora Maria Santíssima, foi atacado porque as pessoas estavam com fome e as massas populares quebraram as portas do armazém e levaram alimentos. Mesmo com intervenção da polícia local, foi um autêntico combate para poderem ter o que comer. Pessoas de todas as classes sociais foram afetadas depois por causa da ausência de gás de cozinha, carvão ou lenha. Tudo ficou embebido em água, como resultado das chuvas que tivemos de forma contante, durante dez dias. Sem bens essenciais, como água potável, e com a sobrelotação dos espaços habitáveis, a maior preocupação agora são os problemas de saúde.
P. Albert Augustine Wulfu