Ser misericordioso e viver a misericórdia concretiza-se no mandamento do amor apresentado por Jesus Cristo. Este amor só pode ser concreto e visível, efectivo e não simplesmente afectivo, operante e prático, e não só íntimo e inexpressivo. A Carta de Tiago é muito clara ao recordar que a fé sem obras está «completamente morta»: «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras? Acaso essa fé poderá salvá-lo?»
Palavra de Deus
Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos.
O Rei dirá, então, aos da sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.’
Mt 25, 31-36
A Misericórdia em Ação
O Antigo Testamento já tinha enumerado algumas das obras visíveis da caridade, que constituem atos de libertação do pobre e do necessitado: «repartir o teu pão com os esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus» (Is 58, 7).
O Novo Testamento encontra, na página do Juízo Universal de Mateus (Mt 25, 31-46), uma exemplificação e uma lista de seis gestos de caridade que, se forem feitos a um pobre, a um pequeno, são feitos, de facto, ao próprio Jesus Cristo.
A elaboração doutrinal duma «lista» das obras de misericórdia, que hoje conhecemos como expressões da unidade profunda entre a fé e a caridade, longe de querer esgotar as possibilidades da misericórdia, deve ser acolhida como um desafio à criatividade do crente no concreto da história, para que a caridade não seja apenas um gesto «bom», mas também «profético».
1ª – Dar de comer a quem tem fome
“Dai-nos hoje o nosso pão de cada dia” (Mt 6,11)
Pedir o pão a Deus implica assumir a responsabilidade por quem não tem pão. Deus dá o pão ao homem através do homem: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc. 6, 37). Comer é mais do que encher a barriga: preparar a mesa, preparar o alimento, comer com os outros…partilhar a mesa da criação inteira… Jesus sentiu a mordedela da fome (Mt. 4, 2; Mc. 11, 2), foi servido à mesa e comeu o alimento que outros prepararam para ele. A alimentação é um direito universal (artigo 25 da Declaração dos Direitos Humanos).
“Em muitos países pobres, continua — com risco de aumentar — uma insegurança extrema de vida, que deriva da carência de alimentação: a fome ceifa ainda inúmeras vítimas entre os muitos Lázaros, a quem não é permitido — como esperara Paulo VI — sentar-se à mesa do rico avarento.” (Bento XVI, Encíclica social Caritas in Veritate – A Caridade na verdade)
Dar de comer aos famintos é um imperativo ético para toda a Igreja, que é resposta aos ensinamentos de solidariedade e partilha do seu Fundador, o Senhor Jesus.
Além disso, eliminar a fome no mundo tornou-se, na era da globalização, também um objetivo a alcançar para preservar a paz e a subsistência da terra.
2ª – Dar de beber a quem tem sede
“E quem der de beber a um destes pequeninos, ainda que seja somente um copo de água fresca, por ser meu discípulo, em verdade vos digo: não perderá a sua recompensa” (Mt.10,42)
“Um problema particularmente sério é o da qualidade da água disponível para os pobres, que diariamente ceifa muitas vidas. Entre os pobres, são frequentes as doenças relacionadas com a água, incluindo as causadas por micro-organismos e substâncias químicas. A diarreia e a cólera, devidas a serviços de higiene e reservas de água inadequados, constituem um factor significativo de sofrimento e mortalidade infantil”. (Francisco, Encíclica Laudato Si nº 29)
3ª – Dar pousada aos peregrinos
Nos tempos antigos dar pousada aos viajantes era um assunto de vida ou de morte, pelas dificuldades e riscos das caminhadas e viagens. Hoje já não é assim. Mas, de todo o modo, poderia acontecer recebermos alguém em nossa casa, não por pura hospitalidade de amizade ou família, mas por alguma verdadeira necessidade. É o desafio do verdadeiro acolhimento do outro.
4ª – Vestir os nus
Esta obra de misericórdia dirige-se a aliviar outra necessidade básica: o vestuário. Muitas vezes é-nos proporcionada com as recolhas de roupa que se fazem nas paróquias e noutros centros. Ao entregar a nossa roupa é bom pensar que podemos dar o que nos sobra ou já não nos serve, mas também podemos dar do que ainda nos é útil, o que tem muito mais valor. Como não recordar tantas Instituições que procuram dar agasalho a quem dele precisa.
5ª – Assistir os doentes
Trata-se de uma verdadeira atenção para com os doentes e idosos, tanto no aspecto físico, como em lhes proporcionar um pouco de companhia.
O melhor exemplo da Sagrada Escritura é o da parábola do Bom Samaritano que curou o ferido e, ao não poder continuar a cuidar dele diretamente, confiou os cuidados que necessitava a outro em troca de pagamento (Lc 10, 30-37).
Hoje, a pastoral da saúde, na assistência aos doentes é uma verdadeira pastoral da misericórdia.
6ª – Enterrar os mortos
Cristo não tinha lugar onde repousar. Foi um amigo, José de Arimateia, que lhe cedeu o seu túmulo. Mas, não apenas isso, teve a valentia para se apresentar ante Pilatos e pedir-lhe o corpo de Jesus. Nicodemos também participou e ajudou a sepultá-lo. (Jo 19, 38-42)
Enterrar os mortos parece um mandamento supérfluo, porque, de facto, todos são enterrados. Mas, por exemplo, em tempo de guerra, pode ser um mandamento muito exigente. Por que é importante dar sepultura digna ao corpo humano? Porque o corpo humano foi morada do Espírito Santo. Somos templos do Espírito Santo (1 Cor 6, 19).
Pistas de reflexão
- Como é que eu posso viver mais em pleno as obras de misericórdia corporais?
- Na família, na paróquia e no grupo, o que poderemos fazer de concreto para dar resposta ao exercício da nossa caridade no cuidado ao irmão?
Compromisso
Nas obras de misericórdia corporais não precisamos de filosofar ou dissertar com teorias. Precisamos sim de ação e de compromisso por um mundo melhor. Por vezes são gestos simples que manifestamos a grandeza do nosso coração. Temos de ter a ousadia necessária para concretizar estas obras corporais nos nossos próximos, sobretudo nos irmãos mais pobres, afastados e carentes do essencial.
P. Nuno Miguel Rodrigues