O Beato Daniel Brottier poderia ter sido um grande empresário. Tinha dons musicais que podiam ter feito dele um músico brilhante. Vendo o que ele fez como capelão militar na primeira guerra mundial, não é difícil admitir que poderia ter sido um militar de alta patente. Também não foi Papa, como aos cinco anos disse que seria. Mas foi um homem de Deus, que hoje a Igreja venera como Beato e um dia, creio, canonizará. Chegou a pensar na vida austera da trapa, mas logo concluiu que não era a essa vida que Deus o chamava, mas sim à vida missionária. Realizou um gigantesco trabalho. Viveu uma vida intensa. Mas aquilo que mais define a sua vida, amigo leitor, é a caridade. Sim, o amor a Deus e aos irmãos vivido em profundidade. Ao P. Pichon, seu amigo e principal colaborador na obra dos Órfãos Aprendizes de Auteuil, confidenciou:
«Que vida mais bela quer ideal, para um sacerdote, do que aquela que vivemos aqui? Veja por si mesmo: passamos todo o dia a fazer o quê? A praticar a virtude da caridade. De manhã à tarde, que fazemos nós? Acolher pessoas aflitas, encorajá-las, assisti-las, restituir-lhes a esperança; recolher os órfãos, vesti-los, alimentá-los, deitá-los, pô-los ao abrigo da necessidade, educá-los, catequizá-los, fazer deles bons cristãos; servir de intermediário a pobres operários e operários sem emprego, para lhes arranjar trabalho, interceder junto das autoridades civis, militares e religiosas, em favor de famílias ou pessoas na miséria; esclarecer e guiar almas inseguras ou angustiadas que procuram o bom caminho; visitar os doentes, consolá-los, reconciliá-los com Deus; rezar e mandar rezar incessantemente as nossas crianças pelas mil e uma misérias, de que somos confidentes; prestar serviço a todos, muitas vezes, mais aos ricos do que aos pobres, que é tudo isto, de facto, senão um perpétuo exercício de caridade?»
Um verdadeiro hino, prezado leitor ao amor misericordioso! Mas repare, a caridade é mais do que mero sentimento de afeição; é mais também que a atração apaixonada que podem sentir dois seres humanos. A caridade é amor que leva a descentrar-se, a pensar no outro e a buscar o bem e a felicidade do outro, encontrando nisso a felicidade: «Mas, refletindo bem, não escolheu Deus para mim a melhor parte? Uma vida aos empurrões, certamente, mas uma vida de caridade, que me obriga a praticar, sem quase nisso pensar, a humildade, a paciência, a mortificação e a renúncia…» Sim, «amar é dar-se. Não amamos por nós: amamos para fazer o outro feliz. Amar é dedicar-se. O amor na dedicação, eis a conceção cristã».