«Tu amas-me mais do que estes?»
(Jo 21,15-18)
Naquela noite, seis discípulos, a convite de Pedro, vão fazer o que melhor sabem: pescar. Mas nem sequer um peixe morde o isco. A rede, guardando a memória das grandes fainas, é a mesma de todos os dias, falta-lhe apenas ensaiar novos métodos e mergulhar novas águas, lados e margens. Mas Jesus, sem lhes dar tempo para lamentações, surge naquele lago de tempestades e depressões absolutas, manifestando-se qual nova aurora para a atividade daqueles homens: “Lançai a rede para a direita da barca, e encontrareis” (Jo 21,6).
Como se torna grande a quantidade de peixes naquela rede ordinária! Como é grande o espanto daqueles homens marcados pelo trabalho de cada dia! Como é grande o seu cansaço, não mais da noite, mas por causa do peso das redes cheias! Jesus, mesmo sem se dar a conhecer, confirma os discípulos como “pescadores de homens” (Mt 4,19), convidando-os a puxar redes de novas margens e águas. Não o reconhecendo à primeira, leem a evidência dos sinais: «É o Senhor» (Jo 21,7), diz o discípulo amado a Pedro. De sobressalto, Pedro, seminu, corre, não mais em fuga, mas para Jesus. Os outros seis arrastam a rede a transbordar de peixes.
A rede, apesar da quantidade dos peixes, não se rompe. Em contrapartida, Pedro havia rompido a sua união íntima com Aquele que um dia o escolhera, chamara e lhe confiara uma missão. Grande cisma na história deste pescador por profissão e discípulo por vocação. Mas, ei-lo agora, Simão Pedro, desprotegido perante a chama da fé, a manifestar um grande desejo de renovada comunhão. Para isso tem de reaprender a pôr de lado as rochas e os calhaus que bloqueiam as portas do seu coração e voltar a tomar parte no grande projeto universal salvífico.
Na praia, Jesus havia preparado o lume novo, peixe e pão. Ao peixe e ao pão já os conhecemos de outras divisões realizadas por Jesus. A novidade, hoje, reside naquele lume novo, onde Pedro se vai aquecer. Pedro, que já fora visto a aquecer-se no lume preparado pelos guardas, prisioneiro do seu medo, e ouvido a negar Jesus, agora aquece-se no lume novo que é Jesus Ressuscitado.
Inicia-se, então, um processo de redimensionamento da autenticidade da vocação de Pedro. Primeiro a partilha conjunta de uma refeição, onde nem é preciso abrir a boca para tornar os sinais evidentes. Depois, um diálogo cirúrgico, em particular, para curar a ferida aberta e sarar ressentimentos: “Simão, filho de João, tu amas-me mais do que estes?” (Jo 21,15). Para que Pedro seja readmitido verdadeiramente no coração de Jesus é preciso que ele faça não uma profissão de fé, mas uma profissão de amor. Não uma, mas três vezes, anulando assim a sua tríplice negação. É, portanto, sobre o amor o diálogo entre Jesus e Pedro. Não lhe era preciso compreender o que acontecera no passado. Tão somente amar, porque só o amor é digno de fé.
Pedro pulsa então uma oração ao ritmo do seu coração: “Sim, Senhor, Tu sabes que eu sou deveras teu amigo” (Jo 21,15.16). No entanto, o foco daquele diálogo orante não está no que Jesus sente ou vê, mas no ressentimento de Pedro. Jesus conhece bem o seu interior, mas Pedro ainda não havia tido a oportunidade de tomar consciência dos seus limites face à proposta vocacional de Jesus: “Apascenta os meus cordeiros… Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,15.16.17).
Na verdade, Pedro, como nós, precisa de uma oportunidade para revalidar o que verdadeiramente sente por Jesus. As três respostas afirmativas, contrastando com as três respostas negativas na Paixão, revelam, apesar de tudo, alguma clareza. Reconhece-se ainda inseguro para amar Jesus com o amor incondicional exigido para segui-lo. Opta por isso por um amor de menor compromisso. Mas Jesus não desiste de Pedro e aceita os seus limites, na esperança que aprenda com o tempo a amá-l’O, a Si como à missão que lhe está confiada: apascentar um rebanho que pertence a Jesus Ressuscitado. E apesar da insegurança do pouco amor, Jesus não esconde a exigência, revelando-lhe toda a verdade desde o início: “quando eras mais novo, tu mesmo atavas o cinto e ias para onde querias; mas, quando fores velho, estenderás as mãos e outro te há de atar o cinto e levar para onde não queres” (Jo 21,18).
Nós também somos desafiados a acolher a beleza do convite de Jesus para a nossa vida. Somos provocados a adotar como projeto de vida os verbos Amar, Apascentar e Seguir. Estaremos nós predispostos a professar o nosso amor uns pelos outros e a nos convertermos todos juntos para Jesus Cristo? Estaremos nós disponíveis a acolher o convite de renovada comunhão e missão? Estaremos nós verdadeiramente ordenados a assumirmos o nosso compromisso pessoal e comunitário com Jesus?
Somos provocados a adotar como projeto de vida os verbos Amar, Apascentar e Seguir
Com Libermann, rezemos:
“Ó Amor, Amor incompreensível do meu Deus, do meu Jesus! Que posso eu fazer para corresponder ao vosso amor? Tenho que reduzir-me ao meu nada e à minha indignidade perante o vosso adorável Amor; porque, ó meu bem-amado Amor, sois demasiado grande para que eu me atreva a pensar fazer alguma coisa por Vós. Ao menos, adorável Amor, fazei de mim e em mim tudo o que vos aprouver; vinde, Senhor Jesus, vinde e vivei em vosso pobre servidor”.
(CSJ 1,14; Antologia Espiritana, I p. 113)