Há tempestade no mar da vida e parece que não tomamos a sério o provérbio do povo que diz ‘quem vai para o mar, avia-se em terra!’. Não, não estamos preparados para enfrentar tamanha tempestade!
O Papa Francisco, neste período crítico da história, tem dado o corpo às balas e protagonizado momentos únicos. Quem acharia possível ver o Papa a passear sozinho na Via Del Corso, a grande rua comercial que tem sempre milhares de pessoas? E andou por ali, a pé, porque foi até à Igreja de S. Marcelo onde está o crucifixo perante o qual a cidade pediu a Deus o milagre de escapar à peste que dizimou parte da Europa no sec. XVI. Roma foi poupada. Também foi até à Basílica de S. Maria Maior pedir a protecção da Padroeira da Cidade, Nossa Senhora.
Ora, sexta feira, foram estas imagens que ‘passearam’ até à Praça de S. Pedro. O jornalista Octávio Carmo resumiu bem: ‘Um crucifixo banhado pelas lágrimas do Céu. Os sinos do Vaticano misturados com as ambulâncias de Roma. O Papa percorrendo, sozinho, a Praça de São Pedro, para levar um abraço de esperança ao mundo. A oração extraordinária (em todos os sentidos) desta sexta-feira, por causa da pandemia da Covid-19, vai ficar na nossa memória, durante muitos anos. Com uma mensagem fundamental: estamos todos no mesmo barco e ninguém se salva sozinho’.
Boa parte do mundo parou, pois muitas televisões e sites transmitiram em directo. Vimos o Papa a subir até à plataforma das missas campais e audiências das quartas feiras. À chuva sem guarda-chuva, cansado, a coxear, rasgando uma Praça de S. Pedro completamente vazia. Esta será uma imagem que as retinas e corações guardarão para sempre como preocupação profunda de um Papa pelos habitantes deste mundo a navegar em dias de tempestade. Parecia uma alpinista a trepar uma montanha, tal a solidão e a dificuldade do caminhar…
Cada um deve entrar no campo de batalha com as melhores armas que tem. A Igreja acredita na força da oração e da comunidade. Devemos viver de mãos dadas e mãos juntas. Num dia em que morreram 959 pessoas em Itália com o covid, esta oração do Papa ganhou mais força e sentido. Há imagens que falam alto e calam fundo: numa praça vazia, a televisão mostrou, ao fundo, como únicos ‘presentes’, os polícias e os sem-abrigo. Marcou-me ainda o longo silêncio de adoração, difícil de cobrir em televisão, mas transformado em momento forte desta celebração que foi de bênção ‘urbi et orbi’, ou seja, para a cidade de Roma e para o mundo inteiro.
O Papa escolheu como Evangelho o texto da tempestade acalmada. Cristo vai no barco com os discípulos, levanta-se uma tormenta e Jesus dorme. Os viajantes acordam-no e ele acalma a tempestade, pondo em causa a fé destes homens, na sua maioria, pescadores do Mar da Galileia. Foi forte o comentário do Papa, pois evocou os nossos medos, a nossa fragilidade, sobretudo em tempos de mar encrespado. Surfamos, muitas vezes, nas cristas das ondas, sem prancha nem conhecimento do mar. Estamos na mesma barca, frágil, mas Deus não desiste de nós e da nossa fragilidade há-de fazer força. Só que não nos irá substituir, continuará a confiar nos nossos talentos, nos compromissos de uma solidariedade praticada que deve ser a imagem de marca dos humanos. Hoje não se esperam grandes discursos, mas acção imediata. É tempo de distinguir o necessário do dispensável, há que partilhar o sofrimento dos doentes, das suas famílias que desesperam, dos pobres que se sentem descartados pela nossa indiferença.
Estamos no mesmo barco, embora alguns julguem que andam de iate enquanto outros navegam em cascas de nozes. A verdade é que sozinhos afundaremos. E, sobretudo, quando a barca regressar a terra, que atraque num porto novo, que tudo seja diferente a partir de amanhã, que governos e instituições olhem mais para as pessoas, pois elas são e serão sempre o melhor do mundo.
Tony Neves Cssp e Artur Teixeira CMF