Solidariedade com Moçambique
A tragédia que se abateu sobre Moçambique, particularmente na província de Sofala, tomou contornos dramáticos e assustadores. A resposta tinha de ser rápida e generosa. E a família espiritana, a quem se associam muitos amigos, tem respondido de forma solidária. Até hoje, chegaram à conta disponibilizada pelos espiritanos em Portugal mais de 115.000€ de donativos, que estamos a fazer chegar ao local.
O P. Alberto Tchindemba, Superior dos Espiritanos em Moçambique, viajou até à cidade da Beira e faz-nos o rescaldo da situação no terreno e partilha sobre o plano espiritano de resposta, de forma concertada com a Igreja local.
O P. Alberto, Superior dos Espiritanos em Moçambique, num centro de acolhimento para famílias desalojadas
Saudações, votos de boa saúde e boa caminhada quaresmal.
É da cidade da Beira que vos escrevo. Cheguei no domingo passado à noite. À hora do desembarque apercebi-me imediatamente da situação de emergência em que se vive na cidade da Beira. Vi muitos helicópteros, camiões, e mercadoria por todo o lado… No aeroporto estavam os nossos colegas espiritanos sorridentes à minha espera e simplesmente diziam: bem-vindo à cidade da Beira, estamos vivos… do aeroporto para a casa, vi uma cidade pouco iluminada. Havia luz em algumas partes estratégicas da cidade (hospital, aeroporto, casas da administração estatal, alguns bancos…). Os bairros estavam todos às escuras inclusive a nossa casa. Valeram-nos algumas velas e lanternas que trazia de Nampula.
Daquilo que vi desde a minha chegada, gostava de sublinhar o seguinte:
Comunidade Espiritana
A casa sofreu alguns danos provocados pelo ciclone e que exigirá uma reparação de fundo do telhado e não só. Não há energia elétrica e a alimentação é fraquíssima, pois os confrades partilharam tudo o que tinham com as pessoas que se refugiram na nossa casa durante o ciclone. A falta de um gerador para fazer funcionar a arca frigorífica e permitir assim a conservação de alimentos é uma necessidade urgente. Neste momento os confrades compram o necessário para o dia. Não podem conservar outros alimentos como peixe, carne e verduras. A vida tornou-se muito dura e muito desgastante para os confrades envolvidos no atendimento às pessoas na Paróquia e nos serviços sociais da Arquidiocese. Passam horas a fio a identificar e alistar as pessoas que precisam urgentemente de assistência. Esse trabalho intenso precisa de uma alimentação saudável que lhes ajude a caminhar debaixo de um sol tórrido e de um calor abrasador.
A falta de energia elétrica fez com que fossemos à cidade a procura de um gerador pequeno para pôr a funcionar alguns electrodomésticos. Todo o trabalho de procura não surtiu efeito. Os preços são altíssimos e a venda é feita sem garantia. Isso fez-nos recuar para tentar encontrar outras soluções.
Visita a um lugar de acolhimento às famílias desprovidas de tudo
Os espiritanos na Beira levaram-me a um centro de acolhimento de pessoas afectadas pelo ciclone que fica exactamente na Escola Primária de Inhamizua, perto da nossa casa. Aqui tive a oportunidade de ver as pessoas que ficaram sem tecto e sem pão, completamente entregues ao cuidado das ONGs e de algumas pessoas singulares que trazem alguma coisa para ajudar os mais necessitados. As pessoas, organizadas por quartos, recebem a comida, cozinham e depois tomam a refeição em conjunto. Quanto às condições de habitabilidade do centro de acolhimento, assim como de atendimento médico, as pessoas falaram-me de alguém que acabava de falecer por causa da cólera e uma outra pessoa tinha sido levada de emergência ao hospital. A nível da cidade foram abertos alguns postos de saúde «ambulantes» para atender os casos de cólera que se vão multiplicando por todo o lado.
Percorrendo a cidade e o bairro onde se encontra a nossa Paróquia
Ao longo da caminhada pela cidade e pelos bairros, vi casas completamente arrasadas pelo ciclone… árvores caídas, postes de electricidade no chão, movimento de pessoas a apanhar metades de chapas de zinco para cobrir as suas casas, paredes caídas…camiões de mercadorias estacionados a descarregar alguns víveres e famílias inteiras sem eira nem beira. Enfim, há um movimento de reconstrução bastante grande. O P. Nicholas, o nosso confrade, pároco de Nossa Senhora da Natividade, distribuiu algumas lonas vindas da Caritas Arquidiocesana para cobrir as casas. Não imaginem a alegria das famílias ao receber as lonas! Elas choraram de alegria ao receber uma simples lona para cobrir a casa.
No bairro onde está a nossa Paróquia vi ainda situações tristes e dramáticas de gente que precisa com urgência de alimentos e de um lugar digno para reclinar a cabeça. A nossa Igreja Paroquial não foi poupada pelo ciclone. Muitas chapas que cobriam a Igreja foram levadas pela fúria do ciclone.
Em diálogo com os espiritanos na Beira, delineamos algumas linhas de acção que se consubstanciam nas seguintes vertentes (plano de actividade de emergência):
- Ajuda imediata: comprar e distribuir os alimentos às pessoas que neste momento passam fome e sem o mínimo para sobreviver. Foram identificadas 350 pessoas na nossa Paróquia. Amanhã começamos com o processo de distribuição.
- Habitação: ajudar as pessoas a reconstruir as suas casas, oferecendo-lhes chapas para cobrir as casas.
- Recompor a casa Espiritana e a Igreja paroquial.
Esse plano de actividade será apresentado ao Sr. Arcebispo da Beira, D. Cláudio que não tem mãos a medir no que concerne à ajuda às centenas de vítimas das intempéries que fustigaram a Província de Sofala. Aqui trata-se de um trabalho conjunto a ser feito em colaboração com a Arquidiocese que tem vindo a apoiar todos os necessitados.
Caros confrades e amigos da missão espiritana, aqui fica a minha primeira impressão do que vi e também da partilha do trabalho de resgate e de assistência às pessoas afectadas pelo ciclone Idai. De salientar ainda que a Caritas Arquidiocesana está a trabalhar a todo gás para minimizar o sofrimento de centenas de pessoas afectadas não só na cidade da Beira mas também noutros distritos da Província de Sofala. Há também um plano de ajuda organizado por algumas confissões religiosas e ONGs.
Termino, desejando-vos tudo de bom. Este foi apenas um pequeno rescaldo do que vi nos dias 1 e 2 de Abril. Os próximos dias serão dedicados à distribuição do que faz falta às pessoas. Tudo isso só será possível graças aos donativos vindos de Portugal e não só.
Queremos mais uma vez agradecer a todos os irmãos e irmãs que em Portugal têm ajudado as populações da Beira a ter condições de vida digna. À Província Portuguesa da Congregação do Espírito Santo, à Casa Geral e a todas as Circunscrições Espiritanas que têm dado o seu contributo para aliviar a dor e o sofrimento das pessoas afectadas pelo ciclone, vai a nossa gratidão.
P. Alberto Tchindemba