Escrevo a meio de março. Serei lido daqui a umas três semanas. A ser verdade que às palavras as leva o vento, eu próprio me pergunto se ainda então serão de alguma atualidade e valia estes rabiscos. Ou não será então sua leitura perda de tempo? Se o for, peço perdão. Não gosto de palavras ocas, encomendadas. Mas, ideias novas, coisas ainda não ditas, creio que as não tenho. Aceitem de mim tão só a partilha de alguma experiência ou reflexão. Deus permita que vos seja de algum proveito.
Tenho andado a pensar no caso da mulher infamada que os fariseus queriam lapidar, e a quem Jesus salvou das mãos deles e apontou para uma vida dignificada ao dizer-lhe: “nem eu te condeno, vai e não peques mais”. Nesse Domingo, o 5º da Quaresma, a Palavra proclamada na Missa era resumida nestas palavras do salmo: “maravilhas fez connosco o Senhor; exultemos de alegria”! Este terá sido talvez o sentir dessa mulher, este tinha sido noutros tempos o clamor jubiloso dos judeus cativos no seu regresso de Babilónia a Jerusalém. E Isaías, antevendo esse acontecimento, escrevia: esqueçam o passado, os prodígios a quando da saída do Egito; eu, o vosso Deus, vou fazer coisas novas, prodígios ainda maiores. Vem na 1ª leitura. A 2ª é o testemunho de Paulo a dizer que esquece pretensas vitórias do seu passado enquanto judeu fiel, e olha para a frente, para a meta que lhe é proposta, a ver se alcança Cristo, visto ter sido já alcançado por Ele. Não o alcançaria, se Ele, Cristo, não tivesse tomado a dianteira. Como o Pai, na parábola do “filho pródigo”: não é o filho que corre para o pai; é este quem corre para dar ao filho o abraço da reconciliação. A Graça, a gratuidade do incomensurável amor de Deus, precede e origina em cada um de nós a vida nova.
A Páscoa está perto; quando me lerem já terão celebrado o Tríduo Pascal e feito tanto a festa litúrgica quanto a festa popular da Ressurreição, visita pascal incluída. Páscoa é Cristo entregue por nós, o Cordeiro de Deus imolado para que pelo seu sangue, por nós derramado, sejamos salvos. E isto acontece em cada Missa e eu, padre, sou o feliz agraciado com o dom de fazer, em sua memória, o que Jesus fez naquela última Ceia, e torná-Lo presente agora, vivo, ressuscitado, alimento do seu povo peregrino. Tenho pensado muito neste poder que me foi dado, não para vanglória, mas para serviço humilde. Em tempos, já lá vão muitos anos, um dos meus confrades que tinha sido missionário na Amazónia contava-me que uma mulher, “mãe de santo” ou coisa parecida da umbanda, lhe dissera a ele: vocês, os padres, nem sabem o poder que têm. Se o soubessem podiam fazer muito mais por este povo.
Descontado o que ela entendesse pelo poder do padre, a verdade é que a fala dessa mulher muitas vezes me tem dado que pensar. Ah! Se eu conhecesse de verdade o dom de Deus que está em mim!… Estou grato ao povo de Deus com quem trabalho porque de muitas maneiras me faz lembrar a grandeza do dom do meu sacerdócio: são reiterados pedidos de bênçãos de pessoas e coisas; são desafios para visitas a doentes ou convites para festas de família; são múltiplos sinais de simpatia não por ser esta pessoa deste ou daquele jeito mas por ser o pastor que Deus mandou para eles; a isto se junta o espírito de serviço e a solidariedade ativa com o padre nos vários ministérios em que tantos dos nossos agentes se dão, por vezes bem mais do que podem, de forma gratuita e desprendida, em favor da comunidade. Veem no padre um sacramento de Deus. E assim eu sou levado, poderei dizer mesmo forçado, a meditar no poder que Deus me deu em favor do seu povo. Se eu conhecesse o dom de Deus!…
Neste Jubileu Extraordinário da Misericórdia tomo as palavras da oração jubilar composta pelo Papa: “Vós quisestes que os Vossos ministros fossem também eles revestidos de fraqueza para sentirem justa compaixão por aqueles que estão na ignorância e no erro; fazei que todos os que se aproximarem de cada um deles se sintam esperados, amados e perdoados por Deus”. Esta súplica lembra-me a frase paradoxal do precónio pascal: “ó feliz culpa, que nos mereceu tão grande Redentor”. Que eu me não esqueça que sou pecador quando der o perdão sacramental em nome de Cristo. E que nenhum pecador desista de regressar a Deus porque basta só deixar-se abraçar por Ele. A sua misericórdia supera de longe a nossa culpa. O Senhor Deus é maravilhoso e continua, hoje, a fazer maravilhas em favor de todos as pessoas, acreditem elas ou não: exultemos de alegria!
P. José Gaspar