«Vós sois o sal da terra… vós sois a luz do mundo»
(Mt 5,13-16)
Depois de ser tentado no deserto, Jesus, qual novo Moisés para aquela gente como ovelhas sem pastor, sobe a um lugar ermo e serve o seu alimento, a eles como a nós, elevando-nos a todos acima das montanhas mais altas da nossa existência. Bem-aventurados… ouve-se o eco por entre os vales e as planícies, não uma, mas nove vezes. “Bem-aventurados aqueles que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11,28). Lei, não mais gravada na pedra, mas tatuada nos nossos corações, que suscita o desejo de Deus neste lugar por excelência das opções: “coloco hoje diante de ti a vida e o bem, a morte e o mal” (Dt 30,15), escolhe, portanto, livremente a vida que te dou por graça.
Mas a escolha parece desconcertante, porque a feliz mensagem do Reino de Deus irrompe surpreendentemente de forma inesperada. Que pensariam, por exemplo, todos aqueles desejosos por libertar o seu mundo ocupado através da força? Ou que pensariam todos aqueles que se fecham na pureza ritual? Ou ainda todos aqueles ávidos por fazer crescer o seu ego? Jesus, assumindo a autoridade como sendo a qualidade de quem é autor de novos gestos e palavras, anuncia uma nova felicidade através de palavras e gestos novos, o Evangelho. Jesus desafia-nos a abraçar uma alegria inaudita: a alegria daqueles que o seguem.
Eis o ensinamento de Jesus, sábio guia, simples e direto, de olhar penetrante e assertivo que apascenta o mundo com a força do sol e o sabor do sal da sua humilde sabedoria. O convite é simples: se nos deixarmos transformar pelo sal e pela luz d’Aquele que nos fez ver mais alto do que o alcance da nossa altura e nos comprometermos a segui-l’O verdadeiramente, seremos nós também constituídos sal para a terra e luz para o mundo.
Não se trata de um sal qualquer, mas da flor do sal de Justiça, Paz e Amor. Aquele sal que entra na composição do incenso sagrado (Cf. Ex 30,34-38) e se torna em agradável odor para Deus… aquele sal da aliança que deve temperar todos os sacrifícios oferecidos a Deus (Cf. Lv 2,13)… aquele sal que tempera os nossos hábitos e conserva a nossa fidelidade no seguimento de Jesus. Também não se trata de uma luz qualquer, mas da luz do sol de Justiça, Paz e Amor que penetra a escuridão, qual LED resplandecente ou Luz do Espírito de Deus. Aquela luz do Espírito do Ressuscitado que irrompe na escuridão da morte, anunciando vida nova… aquela luz que brota do Cristo transfigurado e nos transforma a nós também em Filhos da Luz.
Se o sal dá sabor à terra e a luz ilumina o mundo, abramos, portanto, horizontes de sabor e de luz no nosso dia-a-dia. Com as mãos cheias de Amor e de Paz, temperemos a terra dos corações uns dos outros com a Palavra daquele que nos escolhe e envia cada dia. Iluminemos o mundo com as boas obras que testemunham a presença de Deus, já não produzidas com as nossas mãos, porque ninguém consegue agarrar a luz, mas com o auxílio da Graça de Deus que atua em nós e através de nós no mundo. Se o sal perder o sabor, com que se há de dar sabor à terra? Se a luz perder o seu brilho, com que se há de iluminar o mundo?
Quantas vezes desejaríamos que a vida tivesse um determinado sabor, uma determinada cor para então podermos desfrutá-la e vivermos aparentemente felizes? Quantas vezes nos queixamos quando sentimos que a vida não tem o sabor que esperaríamos: a doçura do sucesso e do reconhecimento, a suavidade da simpatia das pessoas, da satisfação das expectativas? Ficamos amargos por dentro e por fora. Jesus recorda-nos, no entanto, que não são as circunstâncias que determinam a cor e o sabor da nossa vida, mas o nosso compromisso com Cristo, Palavra de Deus encarnada, Cordeiro de Deus imolado para nos salvar.
Estaremos nós predispostos a ser testemunhas bem-aventuradas através do sabor e do saber da Palavra de Deus? Estaremos nós disponíveis a acender a Palavra do Verbo de Deus no nosso coração e a transmiti-la aos outros? Estaremos nós verdadeiramente ordenados a partilhar gratuitamente o dom que recebemos de graça?
Estaremos nós predispostos a ser testemunhas bem-aventuradas através do sabor e do saber da Palavra de Deus?
Com Libermann, rezemos:
“Feliz o que escuta bem esta divina voz e a segue! Santo e adorável Espírito, fazei-me escutar a vossa amável voz, refrescai-me com o vosso divino sopro. Quero ser para vós como leve pena, a fim de que o vosso sopro me conduza para onde quiser e eu não lhe ofereça a menor resistência”.
(CSJ 3,8; Antologia Espiritana, I pp. 113-114)