E, de repente, a meio de um jantar de amigos, toca o telefone. Um deles levanta-se e regressa de lágrima presa no canto do olho: «É o meu pai, teve mais uma crise…» cessam todo o interesse nas últimas diatribes futebolísticas ou nas mais recentes jogadas e geringonças da política. A virtuosidade da vida académica ou na ultima incursão sobre os eventos familiares ou a vida privada de amigos comuns perdem tempo de antena. Entreolham-se os convivas em silêncio. Nada do que se possa dizer tem mais relevância, diante deste súbito confronto com a realidade.
A fraqueza e a doença são sempre realidades que nos chocam: lembram-nos a verdadeira natureza e finitude das nossas forças e capacidades. Diante dela nos vemos pequenos e isso irrita-nos. Procuramos escondê-la, ignorá-la. Externalizamos o sofrimento que nos causa pelo silêncio, ou então por algum remoto bode expiatório (quiçá Deus?). E, se o acordar é duro para quem olha esta realidade de fora, nada nos prepara para sofrer na pele as consequências e limitações da nossa condição.
Mais difícil ainda, é manter o discurso «cristãozinho», da fraqueza como lugar de testemunho, do irmão que precisa da nossa ajuda. Ou então, da dependência que obriga à relação, porque percebemos que precisamos da disponibilidade do outro para acudir à nossa limitação. Por vezes, mas cada vez mais raramente, lá surge também o piedoso pensamento do oferecimento das nossas dores pela configuração com a paixão de Cristo. Todos são bons e corretos, exceto quando o papel do doente ou do incapacitado nos cabe a nós.
Talvez seja porque a perspetiva cristã da doença e da incapacidade não é a da pia resignação, mas antes exige atitude, testemunho e luta. Mais do que nos abrir os olhos para as realidades essenciais, torna-se sinal de contradição: o doente, o incapacitado, o débil que se me apresenta, é e será sempre um filho muito amado de Deus, com a inalienável dignidade que isso lhe confere. Mais ainda, se é nosso irmão e não consegue fazer ouvir a sua voz para fazer valer os seus direitos, essa sua dignidade tem de ser ouvida e defendida por outras gargantas. Pela tua. Pela minha.
É também o doente um membro de pleno direito do corpo do Cristo que nos congrega, depositário de uma missão pessoal e intransmissível. Não cessa, portanto, de ter utilidade, ou passa a ser apenas personagem secundário da trama de uma família ou comunidade: continua a ser o ator principal de uma grande história de amor, independentemente das mudanças de guião e de cenário.
Assumir esta realidade é, por isso, um elementar dever de justiça: o doente e o incapacitado não deixaram de ter força, nem braços, nem voz, muito menos direitos e, sobretudo, necessidades. O Papa Francisco lembra isso mesmo na mensagem que deixou para o Dia Mundial do Doente, que celebraremos no próximo dia 11 de Fevereiro. Que fizeste do teu irmão?
André Azevedo