Noite de Natal. Vou descendo paramentado da sacristia para o fundo da igreja onde já vai tomando forma a procissão de entrada para a Missa. Passo perto do presépio, rodeado de crianças de grandes olhos, contemplativos. Uma delas, cinco anos, esfusiante de alegria, corre para mim, dá-me um grande xi-coração e atira, sem mais: “quando é que o Menino Jesus fica velho”? Disfarço a surpresa numa carícia, e sentindo não poder ignorar a pergunta, respondo meio à sorte: “ainda falta muito”. Pareceu satisfeita e correu a aninhar-se no aconchego dos pais. Seguiu-se a Missa, igreja cheia, a transbordar.
A pergunta voltou-me depois, muitas vezes. Natal, a Palavra eterna feita Menino! As lições do presépio! A admiração, princípio da sabedoria, tão natural nas crianças e que os adultos só ganham com tê-la em grande estima! Num dos domingos seguintes quis saber da mãe o provável sentido da pergunta. Não me soube dizer ao certo. Manifestando humildade respeitosa perante o mistério do sonho infantil e da inocência feliz, lá me disse que talvez a pergunta tivesse brotado do espanto da sua filhinha por ver que o Menino Jesus deste ano era tal e qual o do ano passado. Desde então tenho-me surpreendido a meditar na riqueza do nosso calendário litúrgico, repetido mas não envelhecido em cada ano e em cada ciclo! Como são belas as nossas celebrações! Nelas, o memorial, o fazer memória, não nos fixa no passado, mas nos mergulha no mistério celebrado agora como presente de Deus, com a força da Esperança antecipadora do futuro.
O Menino – lemos em Lucas 2, 52 – “crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e diante dos homens”. Isto era o que se via. Nessa altura só a Mãe Maria, que guardava no coração o que Ele dizia e fazia e o que d’Ele ouvia dizer, e o seu José, que pesava bem pensamentos e palavras, eram capazes de ir descortinando o invisível, o mistério do seu Menino, que, como lemos em Fil. 2, 6-7, sendo de condição divina… se esvaziou a si mesmo… tomando a condição humana”. Hoje, à luz do Espírito Santo, refulgindo para nós nos Evangelhos e Cartas dos Apóstolos, temos a graça de poder conhecer a dimensão deste esvaziamento: até à morte e morte de cruz. Esmagado pela dor física e moral, pela cruel flagelação, pelas bofetadas, cuspidelas e injúrias, pela dura caminhada e pela atroz agonia na cruz, tido por vil e desprezível, até o aspeto de homem perdera. Morreu e foi sepultado. Mas cumpriu a promessa de ressuscitar, ao terceiro dia, antes que seu corpo tivesse conhecido a corrupção.
O Menino crescia… Chegou a velho? Quantos que gostam de o ser na condição de não serem chamados assim. Velhos, diz-se, são os farrapos. Mas Cristo quis ser farrapo humano, escândalo para os judeus, loucura para os pagãos. Não teria sido preciso descer tão baixo se não fosse a nossa insensibilidade. E mesmo assim, ainda há quem duvide do seu amor, quem não acredite na misericórdia do Pai do Céu que por nós, para nossa salvação, permitiu que o seu Filho sofresse tanto.
Na cultura semita, como em algumas culturas africanas, velho é o mesmo que sábio. O “mais velho” é o homem mais sensato e respeitado da aldeia ou da comunidade cristã, escolhido para conselheiro do chefe ou do catequista. Jesus, chamado de Mestre, ensinava não com a mesmice dos escribas, mas com a autoridade da Verdade, sempre antiga e sempre nova, a Verdade que Ele mesmo é. E mandou que seus discípulos ensinassem com o poder e a autoridade d’Ele. Assim, pouco depois do Pentecostes já os cristãos chamavam de “presbíteros”, quer dizer de “mais velhos”, aos que presidiam ao serviço da comunhão nas comunidades.
A Páscoa deste ano vem muito cedo, muito próxima do Natal. Mais uma razão para se cair na conta de que todas as festas cristãs, a do Natal também, assim como cada Eucaristia, em qualquer dia, ciclo ou tempo litúrgico, são páscoa, são passagem salvadora de Deus, tempo para as sementes maturarem e para o que é velho se fazer novo. Que nestes tempos cairológicos, neste Ano Santo da Misericórdia, as nossas crianças e jovens tenham visões e os nossos velhos tenham sonhos! Ninguém diga como eu disse: “ainda falta muito”. A hora é agora.
P. José Gaspar