«Que procurais?»
(Jo 1,35-39)
No evangelho segundo são João, a Palavra de Deus encarna, provoca e chama. E é João quem testemunha a sua presença no meio da multidão. Uns dias antes, os fariseus haviam enviado sacerdotes e escribas às margens do Jordão para lhe perguntarem quem realmente ele era. Aqueles, que andavam à procura da manifestação do Messias prometido, do Elias arrebatado ao céu ou de um dos profetas, fazem-lhe um solene interrogatório, quase jurídico, que fecha com um, também solene, testemunho ocular de João: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1,29). Apesar da solene procura dos sacerdotes e escribas e daquele grande testemunho, nenhum deles segue Jesus.
Um dia depois, eis que tudo se repete na novidade da diferença: Jesus surge novamente e João repete: “Eis o Cordeiro de Deus!” (Jo 1,36). O primeiro testemunho de João, solenemente colocado, foi dirigido a sacerdotes e escribas cheios de si mesmo e ávidos de perguntas sobre os outros, pelo que não produz efeitos. Os discípulos, que, à partida não teriam nenhuma pergunta, sentem-se no entanto provocados pelo antigo mestre e põem-se a caminho atrás de um novo mestre sobre quem ignoram quase tudo.
Aos vê-los, Jesus não perde a oportunidade para surpreendê-los, voltando-se para perguntar: “Que procurais?” (Jo 1,38), as primeiras palavras de Jesus segundo o evangelista João. Serão também as primeiras palavras do Ressuscitado junto ao túmulo (Jo 20,15). Definem o ser humano como um ser que procura. Já não é somente Deus quem procura – “Onde estás?” (Gn 3,9), ouvia-se por entre o arvoredo do jardim do Éden –, o ser humano sente também germinar e ecoar no seu coração o desejo de algo maior. Na verdade, Jesus, como se de um publicitário se tratasse, faz os discípulos de João sentirem necessidade de algo maior. Dá-lhes, para isso, um impulso numa busca guiada para se fazerem comprometer numa viagem ao coração, o lugar por excelência das opções. Os discípulos de João são, assim, desafiados a reentrarem no centro deles mesmos: “Vinde e vereis” (Jo 1,39).
Sente-se um novo perfume no ar. Respira-se o perfume dos corações abertos e predispostos. João, parado junto às margens do Jordão, está prestes a sair de cena, disposto a perder discípulos, libertando-os e encaminhando-os. Os dois discípulos também se sentem dispostos a seguir Jesus. E Jesus está disposto a partilhar do seu tempo com dois discípulos que haviam frequentado um outro mestre.
Jesus acolhe e, pedagogicamente, inicia um diálogo de aproximação e convite. Diálogo que se tece entre silêncios e interpelações: “Que procurais?” (Jo 1,38); “Mestre, onde vives?” (Jo 1,38); “Vinde e vereis” (Jo 1,39). São silêncios e interpelações que ecoam ainda hoje na história à espera de interlocutores motivados para que haja um encontro pessoal e comece uma nova relação que humanize e salve. Os discípulos são dois. André e um outro que, não tendo nome, pode ser qualquer pessoa que siga Jesus, em qualquer tempo, e ande à procura de saciar o desejo de se encontrar com Ele, de saber por experiência o que vai escutando através do testemunho dos outros.
E nós que procuramos? Procuramos mil e uma coisas… Não raras vezes, a vida consome-se num ritmo frenético sem tempo para parar e pensar o sentido da nossa procura. A saída depende sempre do lugar para onde se queira ir. Jesus fala-nos de desejos maiores. Porventura recorda-nos, simplesmente, o saber e o sabor dos desejos de outrora. Tudo à nossa volta grita: “Satisfaz-te”. Jesus, pelo contrário, desafia-nos a tornarmo-nos garimpeiros incansáveis dos corações uns dos outros para alcançar pérolas dispostas a segui-l’O.
Nós, que um dia dissemos sim ao chamamento de Jesus pelo Batismo, estaremos, porventura, predispostos a nos deixarmos possuir e transformar por Ele cada dia? Estaremos disponíveis para testemunhar o seu amor aos outros, convidando-os a segui-l’O? Estaremos verdadeiramente ordenados a provocar e conduzir corações no seguimento de Jesus?
Nós, que um dia dissemos sim ao chamamento de Jesus pelo Batismo, estaremos, porventura, predispostos a nos deixarmos possuir e transformar por Ele cada dia?
Com Libermann, rezemos:
“Senhor Jesus, vinde a mim. Sou vosso servo, a Vós pertenço e quero do mais fundo do coração ser todo vosso, acolher-vos e nunca vos rejeitar como faz o mundo; e se tiver a desgraça de vos resistir, mandai, forçai, exercei sobre mim todo o vosso poder de meu Senhor e Mestre. Vinde, Senhor Jesus!”.
(CSJ 1,11; Antologia Espiritana, I p. 113)