Domingo de Ramos
O ‘pleno’ concedido pelos quatro evangelistas à chamada ‘entrada triunfal de Jesus em Jerusalém’ e que dá o nome a este Domingo, é demasiado significativa para ser reduzida a simples procissão de ramos, por mais vistosa que ela seja. A própria celebração litúrgica, ao incluir a narração da Paixão, aponta para uma visão mais abrangente.
De facto, Jesus não quis fazer desta ‘entrada triunfal’ o seu ‘momento de glória’, por que todos ansiamos, mas o cumprimento de um sinal messiânico, embora de sinal contrário. Sim, Ele tem consciência que a sua ‘hora’ chegou e para ela avança não arrastado, como um condenado, nem sorrateiro, como um fracassado, mas assumindo-se como o verdadeiro Messias, não se inebriando com um êxito passageiro, mas apresentando-se e expondo-se firme e decididamente. É a mesma atitude que vai repetir, na noite da traição, adiantando-se e apresentando-se aos que O vinham prender: sou eu a quem procurais!
É este Messianismo que Jesus anuncia e antecipa com a sua ‘entrada triunfal’ e que se consumará quando, vencidos os vínculos da morte, se apresentar ressuscitado e vitorioso. “Não tinha o Messias de sofrer tudo isso, para entrar na sua glória?” – vai Ele lembrar aos pesarosos, tristonhos e desiludidos Discípulos de Emaús.
A narração da Paixão em S. Marcos é caracterizada por uma extrema simplicidade: é a mais curta de todas e a mais despida daqueles pormenores que, ao longo dos tempos, foram fonte de inspiração para muitas considerações piedosas e comoventes. Mas é no meio desta simplicidade e quase total normalidade – parece tratar-se simplesmente de mais uma execução – que mais emerge a pessoa de Jesus: num silêncio quase absoluto, nem um queixume, nem uma revolta, nem um olhar de raiva, de ódio ou de amargura, pois qual “cordeiro que se conduz ao matadouro, Ele não abriu a boca” (Is. 53,7).
A sua extrema debilidade leva-o a aceitar a ajuda do cireneu, mas recusa a ‘anestesia’ do vinho com mirra, que aos condenados era oferecido. Todavia aceita que a esponja embebida em vinagre lhe refresque os lábios. Não é um super-homem, nem cerra estoicamente os dentes para não se deixar abater pelo sofrimento. Mas, serena e lucidamente, ele avança para a cruz. É de pleno direito que Jesus se apropria das palavras do Servo de Javé: “o Senhor Deus veio em meu auxílio, e, por isso, não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei desiludido”.
Por sua vez, S. Paulo, no texto da Carta aos Filipenses, transforma em hino este ‘olhar de conjunto’, de que tanto necessitamos para, nos caminhos sempre longos e difíceis do sofrimento, nunca perdermos de vista a meta a que eles nos podem conduzir.
E a melhor maneira de adquirirmos este ‘olhar de conjunto’, de aprendermos esta difícil lição, é acompanharmos Jesus ao longo desta semana – verdadeiramente a maior e mais santa – para depois, com Ele, podermos percorrer vitoriosamente os caminhos da nossa paixão. Que pena que, cada vez mais, mesmo entre cristãos, se fale em e se façam ‘férias da Páscoa’, trocando a vivência destes dias tão significativos para nós, por uns dias de diversão ou de distensão!