2º Domingo da Quaresma
A segunda etapa da nossa caminhada quaresmal em direção à Páscoa é dominada pela escalada do monte Tabor, onde, segundo a Tradição, teve lugar o fenómeno que designamos de ‘transfiguração’ de Jesus.
Se é verdade que os três Apóstolos, a quem foi concedido o privilégio de presenciar esta cena, “não contaram a ninguém nada do que tinham visto” lá em cima, também não é menos verdade que S. Pedro, nas suas Cartas, para aí nos remete, transformando este episódio num dos pilares seguros da nossa fé: [fui] “testemunha da glória que vai ser revelada” (1Ped. 5,1), “fomos testemunhas oculares da Sua majestade…. Nós próprios a [= voz] ouvimos quando estávamos com Ele na nuvem” (2Ped. 1,16-18).
O paradoxo, diz-nos S. Lucas, está nesta junção do que nos parece é incompatível: morte e glorificação! “Moisés e Elias falavam da morte de Jesus, que ia consumar-se em Jerusalém”. Se sempre o caminho da cruz foi ‘loucura’ e ‘escândalo’, ainda o é mais no nosso tempo, em que tudo se sacrifica por um momento de glória! Com razão, pois, S. Paulo considera “inimigos da cruz de Cristo” aqueles que “fazem do ventre a sua glória” e só “apreciam as coisas terrenas”.
São estes os dois caminhos que se colocam diante de nós: o do mundo, que tudo nos promete, mas – sabemo-lo muito bem! – dele só recolhemos vazio e frustração; e o caminho da cruz, no qual temos um Deus que não apenas promete, mas também se compromete – e por juramento solene! – com cada um de nós, como o fez com Abraão, do qual se afirma que “acreditou no Senhor, o que lhe foi atribuído como justiça” e se tornou ‘pai de muitos povos’; se comprometeu com Seu Filho, a quem, pela ressurreição, restitui a vida em plenitude e constitui fonte de vida, preanunciada pela ‘transfiguração’. Por uma fidelidade amorosa ao Pai do Céu, semelhante à de Jesus e à de Abraão, também os nossos caminhos de calvário e de cruz, se transformarão em caminhos de Tabor, isto é, em caminhos de glória!
Que esta caminhada quaresmal, de conversão e de renovação, nos prepare para nos tornarmos pregoeiros credíveis deste “olhai para o céu” junto dos homens do nosso tempo, através da prática das obras de misericórdia, pois “no pobre, a carne de Cristo torna-se de novo visível como corpo martirizado, chagado, flagelado, desnutrido, em fuga, a fim de ser reconhecido, tocado e assistido cuidadosamente por nós” . Mas, sem este “olhar para o céu” dificilmente conseguiremos fixar o nosso olhar e agir no “baixo” de tanta desfiguração que inevitável e constantemente nos atropela e interpela.
Por isso, o mesmo papa Francisco nos recomenda a “carinhoterapia”, para podermos transformar tantos caminhos de desfiguração em caminhos de ressurreição! Na verdade, só com ela poderemos acender a luz do Tabor na noite de tantas desfigurações!