De 4 a 6 de Setembro de 2019, o Santo Padre visitou Moçambique, a chamada pérola do Indico. Trata-se da sua 31ª viagem apostólica que marcará para sempre o povo moçambicano que procura consolidar o processo de paz.
A visita do Sumo Pontífice foi marcada por três momentos importantes: a preparação próxima, o decorrer da visita apostólica e impacto da visita na vida da Igreja moçambicana e da sociedade em geral.
Depois da divulgação da data da vinda do Santo Padre no passado mês de Junho, o país uniu-se, as divisões étnico-linguísticas, religiosas e culturais foram suplantadas por um clima de paz, de harmonia, de solidariedade e de tranquilidade. O Governo e a Igreja, de mãos dadas, formaram comissões de trabalho que envolviam altos dignatários do Estado e diversas confissões religiosas para preparar a chegada do peregrino da Esperança, Reconciliação e da Paz. O próprio presidente da República motivou as pessoas de todas as confissões religiosas a se unirem e a preparar condignamente a visita do Papa. Os meios de comunicação social jogaram um papel preponderante na mobilização das pessoas, disseminando notícias referentes à missão do Papa na Igreja e no mundo. Lia-se nos corações de homens e mulheres de boa vontade o desejo de se encontrar com aquele que podia acalentar a esperança de um povo sofrido, sempre em busca de paz e de um progresso sustentável.
Terminados os preparativos, o país aguardava pela chegada do Papa, que viria acontecer no declinar do dia 4 de Setembro no aeroporto de Maputo onde foi recebido pelo presidente da República e ovacionado por numerosos fiéis e não só, que acorreram àquele lugar para dar as boas vindas ao Papa Francisco. A cerimónia de boas vindas culminaria com a sua passagem pelas artérias da cidade, num papamóvel «descaracterizado». Mais uma vez o Papa Francisco, numa simplicidade que lhe é característico, abriu os braços para abençoar e confirmar os seus irmãos na fé. Era a alegria total das pessoas que se fizeram à rua para receber a bênção do sucessor dos apóstolos.
Os dias que se seguiram à sua chegada, foram marcados por intensas atividades onde o Papa, encontrando-se com diversas camadas da sociedade civil e da Igreja, foi difundindo a sua mensagem de paz. Assim, no seu primeiro discurso dirigido às autoridades moçambicanas, o Santo Padre sem muitos rodeios começou por elogiar os esforços que estão sendo feitos para que a «paz volte a ser a norma e a reconciliação o melhor caminho para enfrentar as dificuldades e os desafios encontrados como nação». Dirigindo-se claramente às autoridades civis, o Papa chamou atenção para a responsabilidade que os líderes políticos têm de conduzir o país nos caminhos da paz e da justiça social. Para o Santo Padre, «a busca da paz duradoura – é uma missão que envolve a todos – exige um trabalho árduo, constante sem tréguas, pois a paz é «como uma flor frágil, que procura desabrochar por entre as pedras da violência» e, por isso, requer que se continue a afirmar com determinação mas sem fanatismo, com coragem mas sem exaltação, com tenacidade mas de maneira inteligente: não à violência que destrói, sim à paz e à reconciliação».
O Papa lembrou os líderes políticos, para não perderem de vista que, «sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, hão-de provocar a explosão (…)». Para o Papa torna-se imperioso cultivar uma cultura de paz e do encontro com o outro para criar uma estabilidade social. O Santo Padre numa alusão clara e inequívoca convidava a todos a prestar a atenção à nossa Casa Comum. Dizia ele que Moçambique era uma «nação abençoada, e vós sois especialmente convidados a cuidar desta bênção. A defesa da terra é também a defesa da vida, que reclama atenção especial quando se constata uma tendência à pilhagem e espoliação, guiada por uma ânsia de acumular que, em geral, não é cultivada sequer por pessoas que habitam estas terras, nem é motivada pelo bem comum do vosso povo. Uma cultura de paz implica um desenvolvimento produtivo, sustentável e inclusivo, onde cada moçambicano possa sentir que este país é seu, e no qual possa estabelecer relações de fraternidade e equidade com o seu vizinho e com tudo o que o rodeia». Nesta expressão do Papa está patente o cenário que se vive hoje em Moçambique: espoliação desenfreada dos recursos naturais (gás, petróleo, madeira, pedras preciosas, etc.) e o conflito armado que se vive na província nortenha de Cabo Delgado onde nos chegam notícias de matanças de civis por grupos armados não identificados.
Com os jovens de diversas confissões religiosas o Papa deixou uma mensagem que penetrou no mais profundo dos corações da juventude. O Papa Francisco, através de representações artísticas feitas pelos jovens, não deixou de frisar quão importante é cada jovem na construção de Moçambique. Dizia ele aos jovens: «vós sois importantes! Precisais de o saber, precisais de acreditar nisto: vós sois importantes! Porque não sois apenas o futuro de Moçambique, ou da Igreja e da humanidade; vós sois o presente: com tudo o que sois e fazeis, já estais a contribuir para ele com o melhor que hoje podeis dar. Sem o vosso entusiasmo, os vossos cânticos, a vossa alegria de viver, que seria desta terra?» Os jovens que escutavam o Santo Padre no pavilhão do Maxaquene ficaram embasbacados, pois trata-se de uma mensagem que trazia novo alento e que confiava na capacidade criadora dos jovens no destino de uma nação jovem que se quer afirmar no concerto das nações. Para o Papa o facto dos jovens de diversas confissões religiosas estarem juntos para rezar, celebrar como família que ser quer bem, animando-se uns aos outros e viver juntos o desafio da paz é sinal vivo de participação de um «único projeto criador, para escrever uma nova página da história, uma página cheia de esperança, paz e reconciliação».
A participação ativa e responsável e o contributo na solução dos problemas que afligem o país são temas que o Santo Padre abordou com bastante mestria. Para ele, os jovens devem estar sempre com «os olhos cheios de esperança, cheios de futuro e também de ilusões». O jovem não deve nunca perder o fulgor interior que lhe impulsiona a seguir em frente com bastante entusiasmo e alegria. O jovem não deve perder a alegria de viver e de sonhar para um mundo cheio de paz. Para que os jovens alcancem todos os seus anseios, é preciso que se acautelem da resignação e da ansiedade. Estes, na expressão do Papa, são os grandes inimigos que podem afundar e destruir o sonho dos jovens. Para ir mais longe e realizar os seus sonhos, o jovem deve caminhar com os outros; deve lutar juntamente com os outros para alcançar um objetivo comum; o jovem nunca deve desanimar perante as contrariedades da vida. É preciso seguir em frente e tentar quantas vezes for necessário para alcançar a meta. O jovem deve arriscar e lutar contra toda a espécie de fatalismo. Nesta longa busca de realização dos seus sonhos o jovem não deve deixar de fora os idosos. A este propósito dirá o Papa: «os vossos idosos podem ajudar para que os vossos sonhos e aspirações não estiolem, não sejam arrebatados pelo primeiro vento da dificuldade ou da impotência. Os idosos são as nossas raízes».
Num clima bastante fraterno, o Santo Padre convidou os jovens de todas as confissões religiosas a caminhar juntos, a sonhar juntos, a elevar os olhos para um horizonte de esperança e sobretudo a tomar a peito o desafio de «proteger a nossa Casa Comum», pois os efeitos dos ciclones que se abateram sobre o país foram devastadores. Dai a urgência de juntos, como filhos amados de Deus, trabalhar para a protecção do bem que o Senhor nos deu.
O encontro com os sacerdotes, religiosas, religiosos, seminaristas, catequistas e animadores de comunidade foi um outro momento ímpar que ajudou os presentes a renovarem a sua adesão a Cristo que os chamou para evangelizar. Em primeiro lugar, o Papa convidava a todos a «encarar a realidade como ela é. Os tempos mudam e devemos reconhecer que muitas vezes não sabemos como inserir-nos nos novos cenários; podemos sonhar com as cebolas do Egipto (Nm 11,5)», esquecendo que a terra Prometida está a frente, não atrás, e neste lamento pelos tempos passados, vamo-nos petrificando (…)». Está aqui patente o grande convite para uma renovação profunda de todos para fazer face aos desafios do mundo hodierno.
Respondendo à mensagem dos padres que salientava bastante a crise sacerdotal que se vive hoje em Moçambique o Santo Padre foi bastante incisivo quanto dizia:» talvez tenhamos que sair dos lugares importantes e solenes; temos de voltar aos lugares onde fomos chamados, onde era evidente que a iniciativa e o poder eram de Deus. Ninguém de nós foi chamado para um posto importante. Ninguém. Às vezes sem querer, sem culpa moral, habituamo-nos a identificar a nossa atividade quotidiana de sacerdotes, religiosos, consagrados, catequistas, etc. com certos ritos, com reuniões e colóquios, onde o lugar que ocupamos na reunião, na mesa ou na aula é de hierarquia; parecemo-nos mais com Zacarias do que com Maria». O Papa insiste numa vida sacerdotal e religiosa desinstalada, não apegada aos bens e ao poder; uma vida consagrada totalmente voltada para o serviço humilde, à exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso dirigindo-se aos sacerdotes ele dirá: «o sacerdote é o mais pobre dos homens; é o mais indefeso dos homens». Para o Papa a crise da identidade sacerdotal será ultrapassada na nossa Igreja Local se voltarmos a Nazaré e se na compaixão e na oração vividas com serenidade ancorarmo-nos em Cristo nosso Mestre. O individualismo e o mundanismo espiritual do qual o Papa frisou, estraga a vida sacerdotal, religiosa e missionária.
P. Alberto Tchindemba
Superior do Grupo Espiritano de Moçambique
No culminar da sua visita, na grande celebração eucarística, o Santo Padre, partindo de Lc 6,27, convidava os cristãos a amar os seus inimigos. Com as palavras de Jesus «amai os vossos inimigos», somos convidados a um amor concreto. O Papa Francisco conhecedor da realidade moçambicana, marcada por feridas profundas causadas pela guerra dos 16 anos, tensões e hostilidades militares que se foram vivendo depois de cada eleição e ultimamente com o conflito armado no norte do país, insistiu muito na reconciliação e no perdão, à exemplo de Jesus que para além de perdoar os nossos inimigos pede-nos que rezaremos por eles. Este é o grande desafio da vida cristã, sempre presente na nossa caminhada. O Santo Padre vai muito mais longe quando diz: «superar os tempos da divisão e violência supõe não só um ato de reconciliação ou a paz entendida como ausência de conflito, supõe o compromisso diário de cada um de nós ter um olhar atento e ativo que nos leva a tratar os outros com aquela misericórdia e bondade com que queremos ser tratados; (…). Trata-se de uma atitude, não de débeis, mas de fortes, uma atitude de homens e mulheres que descobrem que não é necessário maltratar, denegrir ou esmagar para se sentirem importante; antes pelo contrário…E esta atitude é a força profética que o próprio Jesus Cristo nos ensinou ao querer identificar-Se com eles (cf. Mt 25,35-45) e ao mostrar-nos que o serviço é o caminho».
Um outro mal que enferma o país é a corrupção que vai desgraçando grande parte da população que vive abaixo do nível de pobreza. É preciso, dizia o Sumo Pontífice, acautelar-se com todos aqueles que por debaixo da ajuda prestada ao país escondem artimanhas e estruturas corruptas que prejudicam o povo.
Ouvidas as mensagens do Papa, fica um trabalho de casa que cada moçambicano, religioso católico ou não deverá pôr em prática, sobretudo esforços individuais e coletivos tendentes à construção de uma nação próspera em todos os sentidos; onde a Igreja se torna verdadeiramente pobre e serva com um cunho mais evangelizador e aberta ao mundo; onde todos são chamados à cultura da paz e do encontro onde as riquezas do país são partilhadas, e o meio ambiente mais protegido. Enfim, a mensagem sobre a Esperança, Reconciliação e Paz trazida pelo Papa e que vai ecoando nos ouvidos de cada moçambicano é bastante oportuno numa fase em que o país se prepara para mais um pleito eleitoral. Diga-se em abono da verdade, que o povo simples que acompanhou com muito interesse os discursos do Papa, não cessa de sublinhar quão é importante o caminhar juntos para a consolidação de um processo de paz ainda frágil. Cada moçambicano é convidado a ser instrumento de paz e de reconciliação, diz o Papa. Não estará aqui um desafio de pôr em prática a mensagem de Esperança, Reconciliação e Paz, antes, durante e depois das eleições que se avizinham?