Cheguei a Angola com 26 anos e, logo nas primeiras missas, fiquei espantado com o facto de me apresentarem sempre como ‘mais velho’. Pensei que estariam com problemas de visão ou com dificuldades de avaliar idades de brancos, mas não era esse o caso. O ser ‘mais velho’ em África é honra enorme e atributo de responsabilidade. Os mais velhos são os que adquiriram a sabedoria dos antepassados e, por isso, podem dar lições de vidas às novas gerações. Assim se pode compreender o provérbio ‘quando morre um mais velho, enterra-se uma biblioteca’.
Ora, o ocidente, com tanta tecnologia e saber universitário, perdeu este respeito pelas gerações de idade mais avançada que são vistas, em muitas circunstâncias, como um peso social. Daí que percam lugar nas famílias e engrossem Lares que se tornam presa muito fácil de vírus como a covid 19.
A Comunidade de Santo Egídio, fundada em Roma há meio século, decidiu avançar com um apelo a que deu o título ‘sem idosos não há futuro’. Dada a importância e actualidade do tema, foram muitas as figuras públicas que, à escala do mundo, assinaram e se dispuseram a dar a cara para que os mais velhos fossem mais respeitados. Os alvos são claros: ‘ É dirigido a todos, cidadãos e instituições, para uma mudança de mentalidade decisiva que conduza a novas iniciativas, sociais e de saúde, em prol das pessoas idosas’. Trata-se de um ‘apelo para re-humanizar as nossas sociedades’. Alerta para o facto da ‘contribuição dos idosos continuar a ser objecto de importantes reflexões em todas as civilizações’. E, num momento em que se divulgam notícias sobre a negação de tratamentos a idosos durante o pico da pandemia, este Apelo ‘ expressa a dor e indignação pelas demasiadas mortes de idosos nestes meses e desejamos uma revolta moral para que se mude de direcção no tratamento dos idosos, para que, acima de tudo, os mais vulneráveis nunca sejam considerados um fardo, ou pior, inúteis’.
No dia dos Avós, o Papa Francisco convidou os jovens a fazer um gesto de ternura para com os idosos das suas relações, gritando: ’Não os deixem sozinhos!’. Até porque uma árvore separada das raízes não cresce nem dá fruto. Por essa ocasião, o Vaticano publicou um texto a recordar que a covid colocou muitos avós à margem da sociedade e da família. Respeitar o distanciamento social não implica aceitar um destino de solidão e de abandono aos mais velhos. Pede este documento que os mais jovens usem a fantasia do amor e liguem para eles, falem por vídeo, os escutem e, se for possível, visitem-nos e vivam com eles. ‘Cada idoso é teu avô ou avó!’ é o grito deste alerta.
O Cardeal Tolentino Mendonça, no seu discurso do 10 de Junho, pedia que se reabilitasse o pacto comunitário e que ninguém fosse deixado para trás, sozinha. As pessoas humanas – todas as pessoas, mas sobretudo as mais frágeis, têm de ser colocadas ao centro. Lembrou ainda a urgência de ‘fortalecer o pacto intergeracional’, reflectindo sobre ‘a situação dos idosos em Portugal e nesta Europa da qual somos parte’. Concluiu: ‘a vida é um valor sem variações. Uma raiz de futuro em Portugal será aprofundar a contribuição dos seus idosos, ajuda-los a viver e assumir-se como mediadores de vida das novas gerações’.
O Conselho Presbiteral da Diocese de Coimbra, em pleno pico da pandemia (19 de Maio), pedia gestos proféticos: ‘precisamos de mais acções concretas a nível de partilha, generosidade…a Igreja precisa de ser mais concreta, mais ágil, mais rua, mais fora, mais serviço, mais testemunho, mais compaixão. Precisamos de tocar a fragilidade existencial pela compaixão evangélica, pelo sofrer com quem sofre, cuidando e dando esperança. Neste sentido, precisamos de reforçar a nossa presença juntos dos mais frágeis, abandonados, esquecidos: criando espaços /momentos de escuta, de atender e acompanhar as pessoas enlutadas, de envolver e integrar os mais idosos’.
Termino com o nosso jovem Cardeal que, na sua rubrica semanal no ‘Expresso’, publicou um texto forte com o título ‘honra os teus velhos’. Disse: ’se os velhos são reduzidos a números, e a números com escassa relevância humana e social, podemos até superar airosamente a crise sanitária, mas sairemos diminuídos como comunidade’. Um sinal de alerta que ninguém pode nem deve apagar da nossa memória.