6º Domingo da Páscoa
O recenseamento que está em curso vai permitir sabermos quantos portugueses se autodefinem como seguidores da religião católica, embora o grau e as motivações de adesão possam ser muito diferentes. Mas a Palavra agora escutada convida-nos a não ficarmos pela mera curiosidade estatística, mas a que consciencializemos e aprofundemos as razões da nossa adesão a Cristo e à Igreja.
Numa cultura que, no amor, dá a primazia aos sentimentos e a uma pseudo autenticidade, a Palavra de Deus deste domingo soa a desafinado, pois apregoa a universalidade (“Deus não faz aceção de pessoas”) sobre a seletividade; a efetividade (“nisto se manifestou o amor de Deus: enviou ao mundo o seu Filho, para que vivamos por Ele”) sobre a esterilidade do mero sentimentalismo; o adiantar-se (“foi Deus que nos amou primeiro”) sobre o passivismo do apenas querer receber.
Com efeito, “o termo ‘amor’ tornou-se hoje uma das palavras mais usadas e mesmo abusadas, à qual associamos significados completamente diferentes”. Foi Bento XVI quem afirmou que “o amor de Deus por nós é questão fundamental para a vida e coloca questões decisivas sobre quem é Deus e quem somos nós… Dado que Deus foi o primeiro a amar-nos, agora o amor já não é apenas um ‘mandamento’, mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro”.
É na morte de Cristo na cruz que, segundo o mesmo Bento XVI, se encontra o amor “na sua forma mais radical”. É só o olhar fixo no lado trespassado de Cristo que nos permite compreender o que serviu de ponto de partida à sua Carta Encíclica: “Deus é amor”. É também a partir desse olhar que o cristão encontrará o caminho do seu viver e amar.
De facto, mais do que um conjunto de práticas, o cristianismo mede-se pela nossa relação com Cristo e pela importância e lugar que Ele ocupa na nossa vida concreta, desde os valores e critérios, às atitudes, sentimentos e decisões. Com efeito, um cristianismo avaliado apenas pela intensidade da prática religiosa é ficar muito aquém daquilo que Cristo nos propõe no evangelho deste domingo: “não fostes vós que Me escolhestes: fui Eu que vos escolhi e vos destinei para que deis fruto e o vosso fruto permaneça”; “já não vos chamo servos, mas chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi a meu Pai”.
O mesmo se diga em relação à Igreja. Ficar-se pela prática religiosa é não passar do “adro da Igreja”, esse mistério de comunhão e sacramento universal de salvação, anúncio e prenúncio da nova Jerusalém: “a todos aqueles que olham com fé para Jesus, como autor da salvação e princípio da unidade e da paz, Deus convocou-os e constituiu com eles a Igreja, que seja para todos e cada um o sacramento visível desta unidade salvífica” (LG. 9).
É de um cristianismo assim que somos chamados a dar testemunho. E as devoções a Maria, que durante este mês de Maio se multiplicam, só o serão de verdade na medida em que nos ajudarem a imitá-la na sua adesão amorosa, total e alegre, à vontade de Deus: “faça-se em mim segundo a vossa palavra” (Lc.1, 38). O resto são jogos florais, por mais eruditos que eles sejam, aos quais se pode aplicar o nosso aforismo: “muita parra, mas pouca uva”!
Que o Espírito Santo nos ensine também a nós a ‘falar’ a verdadeira linguagem do amor, para que o nosso mundo descubra os verdadeiros horizontes desse amor!