4º Domingo da Quaresma
Há relatos evangélicos que foram rotulados de forma, no mínimo, estranha: o bom ladrão, a ressurreição de Lázaro, e, também, a acabada de escutar história do filho pródigo! Com efeito, fazer do filho mais novo o centro desta parábola é, a meu ver, trair a intenção de S. Lucas, seu autor, que teve a preocupação de a contextualizar como reação à crítica de fariseus e escribas que acusavam Jesus de “acolher e comer com os pecadores”.
Com esta parábola, Jesus quis personificar o “pai bom” e identificá-los a eles com o filho mais velho, eles que se consideravam cumpridores irrepreensíveis da Lei de Deus e defensores indefetíveis da Sua santidade, mas que tinham um coração de pedra ou coração nenhum. De facto, do filho mais velho, vale a pena reter a fidelidade, mas, desde que despida da dureza de coração, da insensibilidade e da incompreensão que o tornavam incapaz de se alegrar com o regresso do irmão.
Do pai temos muito a aprender! Desde o sofrimento silencioso com que acompanha o afastamento apressado do jovem, passando pela secreta esperança de que, um dia, o filho voltaria e que o olhar para o caminho diariamente alimentava, até ao sobressalto do seu coração ao divisar, lá longe, uma silhueta que dolorosamente se arrastava em lento caminhar e que só um coração de pai bom podia identificar como o seu filho. E que dizer da forma totalmente inesperada como o recebeu, abraçando-o demoradamente e dando ordens apressadas para que prontamente se preparasse a festa do regresso?!
Terminando a parábola sem nos dizer qual foi a decisão final do filho mais velho, S. Lucas pretende remetê-la para cada um de nós, a quem – na expressão do papa Francisco – recomenda o uso diário e na dose mais conveniente de ‘misericordina’, para nos tornarmos cada vez mais parecidos com o Pai do Céu, para Quem conta mais um coração arrependido que uma fidelidade sem coração, sem alegria, sem capacidade de se alegrar com os que se alegram e de chorar com os que estão tristes.
Como tudo seria diferente se conseguíssemos aprender um bocadinho do bom que há em cada um destes três personagens, que compõem um dos mais belos textos da literatura bíblica! É que, todos eles sobrevivem em cada um de nós. Como nos recordou o nosso Papa, “onde a Igreja estiver presente, aí deve ser evidente a misericórdia do Pai. Nas nossas paróquias, nas comunidades, nas associações e nos movimentos, em suma, onde houver cristãos, qualquer pessoa deve poder encontrar um oásis de misericórdia”.
Quaresma é o tempo favorável para trabalharmos o nosso coração, de modo a torná-lo mais parecido com o coração misericordioso de Jesus!