Normalmente nestes meses de férias vêem-se nas nossas estradas muitos carros estrangeiros, quer sejam daqueles que escolheram Portugal como seu destino de férias, quer sejam dos emigrantes portugueses de volta temporariamente à sua terra. Seja em que circunstância for, a história é a mesma: alguém precisa de acolhimento. A proveniência não importa. Importa é a carência que sente.
Embora o problema da migração e do movimento das pessoas, autóctones ou não, não se limite a esta época do ano, a verdade é que esta talvez seja a melhor altura para refletirmos sobre as questões migratórias e assuntos afins. Sabendo que a questão não se limita ao nosso tempo e espaço, permitam-me uma referência histórico-bíblico onde veremos que este tema não é novo, nem restrito da nossa terra.
Do Antigo ao Novo Testamento, a Bíblia não esconde a luta entre a necessidade de preservar a nossa identidade e abertura ao outro, ao alheio, sem os quais a nossa vida se asfixia. Pode-se citar o caso de José e os seus irmãos no Egito. Mas, sobretudo, aquela declaração do Filho do Homem que afirma «Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes-me ver». Mt 25, 35-36. Talvez conheçamos outros casos onde Jesus acolhe os estrangeiros ou os afastados, como no caso do centurião, do leproso ou da samaritana. Em cada caso, alguém é restituído à vida nalgum sentido.
Acolher é receber o irmão e dar-lhe vida. Cada migrante leva consigo uma história de vida que só é compreensível na medida em que for acolhido. O percurso migratório cumula o sujeito de experiências, muitas vezes negativas, que formam ou deformam a sua personalidade para sempre: os trabalhos aceites para sobreviver ou ainda os tratamentos sub-humanos ao qual se submetem e perante os quais os indivíduos se desfazem para se manterem no trabalho ou na boa consideração de quem tem faca e o queijo na mão. O sonho de condições melhores, que só têm sentido quando se volta à terra onde se nasceu, rouba a vida ao migrante, que, apenas regressa, depois de ter gasto um bom pedaço da parte mais produtiva da sua existência- isto, sem falar nos danos causados nas vidas daqueles que nunca chegam a voltar.
Receber é proporcionar condições para que quem volta se encontre consigo mesmo. Acolher é criar condições para que quem se encontra connosco não se sinta desterrado; é voltar a ver um irmão naquele que foi embora e depois voltou. Acolher é receber e saber não perguntar logo a um irmão: ‘quando é que vais embora’? Receber é puxar uma cadeira e escutar com toda a atenção a história do outro.
Quem deixa a sua terra em busca de melhores condições de vida, por vezes, deixa e é deixado por aquilo que de mais importante existe – as relações. Quem deixa a sua terra é deixado pela terra e fica na berma da estrada da vida a aguardar por um irmão, um parceiro ou um pai/mãe que lhe dê a mão.
Perante as inúmeras questões associadas à migração – começando pelas políticas hostis e austeras da parte dos políticos que levam as pessoas a quererem migrar em vez de construir a vida na terra natal, passando pelas questões familiares e pelos motivos pessoais – o acolhimento não significa agarrar-se às falhas do outro para não fazer nada. É procurar integrar o outro na vida pelo período do tempo que for necessário. É abrir de par em par as portas das casas e dos corações e criar iniciativas duradoras que visem uma inclusão na vida social de quem se acolhe.
Quando o acolhido começar a acolher, aí sim, haverá uma sociedade acolhida, porque, nessa altura, estaremos imbuídos dos princípios e ditames de Cristo na mesma passagem bíblica com que iniciamos este breve artigo. “Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes” Mt 25,40.
Simon Ayogu