O P. Macedo Lima, espiritano que foi meu diretor e depois acompanhador espiritual nos meus seis anos de neo-professo e estudante de Filosofia e Teologia e a quem sou muito grato pelos conselhos e estímulos que me deu, costumava dizer-nos que um bom livro é um bom amigo, que nos ensina, avisa e corrige, com brandura, falando à mente e ao coração; não se irrita, não levanta a voz, e seria estupidez maltratá-lo por eventual discordância com alguma de suas afirmações. Graças a Deus, e a este sábio conselho, tenho-me dado muito bem com estes meus amigos, os bons livros. O difícil é encontrá-los.
Aqui há uns anos andei de olhos perdidos pelas estantes de uma livraria lusa em busca de títulos sobre espiritualidade. Fui encontrá-los, poucos e esquisitos, quase todos de espiritualidades esotéricas, nos fundos da livraria. Perguntei ao vendedor de serviço a razão de tanta escassez nesta área e desta aparente ocultação, ao que ele me respondeu, de pronto: preferências do público leitor. Fiquei triste por ter de me render à evidência de haver tantos cristãos a devorar novelas folhetinescas e tão poucos a buscarem em bons livros a capacidade de terem e darem razões da sua fé.
Mas como, felizmente, não há mal que sempre dure, li há dias num diário ‘on line’ de Lisboa o seguinte título: “Livros de Religião são o novo filão das editoras em Portugal”. No caso, a religião referida é a cristã católica. Diz-nos o jornalista que este interesse por temas de espiritualidade tem a ver com o centenário de Fátima e com a popularidade do Papa. Interpretações à parte, retenho e valorizo o facto referido, na esperança de que ele seja sinal de um novo tempo em que o Evangelho seja isso mesmo que a palavra significa, seja boa notícia que empolgue quem a transmite e encha de alegre esperança quem a recebe.
Numa breve retrospetiva do meu tempo, vejo-me como testemunha de muitos acontecimentos que foram ‘evangelho’. Tinha doze anos quando foi eleito como Papa João XXIII, agora venerado como santo canonizado. Vibrei com o decorrer do concílio Vaticano II. Com Paulo VI vivi os anos sessenta embalado no sonho de um mundo novo de desenvolvimento e de paz. Veio depois S. João Paulo II, 26 anos de pontificado que marcaram a história de finais do segundo milénio e início do terceiro. Tenho para mim que foi ele quem mais influenciou positivamente o mundo dos meus dias. E de tal modo que pareceu difícil encontrar quem lhe sucedesse. Esse teria de ser, como foi, uma pessoa humilde, ainda que cheia de sabedoria. Se dúvidas ainda houvesse, Bento XVI as desfez confirmando estas qualidades quando, em plena lucidez, mas sentindo-se já sem forças para os grandes desafios que tinha pela frente, espantou todo o mundo ao anunciar a sua renúncia para dar lugar a outro capaz de fazer melhor do que ele. O Espírito Santo trouxe da Argentina o novo Papa, o emérito saiu de cena, autoapagou-se para não interferir nem dividir atenções, e com Francisco por pastor supremo, a Igreja continua à escuta daquilo que o Espírito Santo diz às igrejas, às comunidades cristãs inseridas no mundo para nele serem sal e luz. Com Francisco invade-nos a alegria de nos sabermos amados por Deus e desafiados a amar, em atitudes de partilha, de acolhimento e de saída ao encontro dos irmãos mais pobres e afastados.
Sempre gostei de temas de História. Por razões pastorais tenho-me visto nos últimos meses às voltas com a História da Igreja, revendo conhecimentos antigos e saboreando a novidade de muitas coisas ainda não sabidas. O pecado e a Graça volteiam em minha mente e a minha fé sai mais fortalecida ao ver repetido tantas vezes nesta História de dois mil anos o milagre da tempestade acalmada. Olhando o passado de fraquezas e vitórias, e o saldo positivo refletido no presente, agradeço a Deus Pai pela presença de Jesus ao leme e pelo Espírito que fortalece os remadores. Como na barca de Noé também na da Igreja há a pomba e há o corvo, o arrulhar e o grasnar, a brandura e a contenda; ela foi, tem sido e há de ser sinal do Reino de Deus, espaço de acolhimento, sinal e instrumento de salvação, mesmo que, de vez em quando, com alguns remos partidos, uma que outra vela rasgada ou mesmo algum rombo no casco. Paradoxalmente, os piores tempos da Igreja foram os que me fortaleceram mais na fé. Disse para mim, muitas vezes, ao ler páginas que a desacreditam perante o mundo: se não foi ao fundo desta vez, não irá nunca.
Vivemos tempos novos de esperança e de compromisso missionário. Benditos sejam os anos que vivi, louvado seja Deus pelos que estamos a viver. Parafraseando santa Isabel no seu acolhimento à Mãe de Jesus, também nós, os que vivemos este tempo presente da Igreja bem agraciado por Deus, podemos dizer: como posso merecer estar envolvido em tantos acontecimentos maravilhosos? A atitude agradecida de Maria seja a nossa também. Deus é maravilhoso. Em nós e por nós seu Nome seja santificado!
P. José Gaspar